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terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dois filmes e um obscuro outono europeu (Ricardo Cavalcanti-Schiel)

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Tanto Ninfomaníca, apenas aparentemente erótico, quanto La Grande Bellezza, cínico e exagerado, sugerem: há imenso cansaço no berço do Ocidente

Por Ricardo Cavalcanti-Schiel

O último 25 de dezembro foi o dia da estréia mundial do polemicamente aguardado filme do diretor dinamarquês Lars von Trier, Ninfomaníaca. A polêmica é, senão puro marketing, em larga medida gratuita e moralista. Cenas de sexo explícito rompendo as fronteiras industrialmente demarcadas por Hollywood – entre atores de imagem pudica (o que fez Nicole Kidman fugir do elenco) e o gueto do “entretenimento adulto” – já não é mais nenhuma ousadia autoral pecaminosa, a não ser para aquelas mesmas classificações industriais. Erótico? O sexo em Ninfomaníaca, desde sua primeira cena, é duro, ritualístico e mecânico, esterilizado por números, transformado em quantificação formalista, em metáfora zoológica. Erótico talvez para rapazotes de quinze anos (que evidentemente não poderão entrar no cinema), para quem, graças aos irremediáveis transbordamentos hormonais, a mera carnalidade avulsa já basta como descoberta erótica. Ninfomaníaca é, desde a sua primeira cena, sombrio. E é disso que se trata.

Provavelmente não combine bem com o verão brasileiro em que será lançado (e à sua maneira digerido). Aqui na Europa faz tanto frio lá fora (do cinema) quanto na rua onde mora o cripto-analista vivido pelo personagem Seligman, o (ironicamente) “homem feliz” que abriga a mulher dura e machucada que vai lhe contar a história de sua vida. A ambientação histórico-biográfica dessa primeira parte de Ninfomaníaca é a Grã-Bretanha dos anos 60 e 70, mas o tempo presente da narradora Joe é o de um inverno onde se vê, pela janela da austera e encardida habitação de Seligman, a neve caindo lá fora.

Talvez a primeira reação de um cinéfilo para digerir Ninfomaníaca seja a de esquematizá-lo como uma espécie de cruzamento bastardo entre “Drowning by Numbers” (de Peter Greenway) e o último Kubrick (“Eyes Wide Shut” – “De olhos bem fechados”). Mas não tem nem a leveza surrealista dos voos de Greenway nem a afetação escapista do filme de Kubrick. Para além das primeiras aparências temáticas, o que é posto ao rés do chão é a impossibilidade de sentir. Na sua versão compulsiva e sufocante, à la Trier.

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Mas não estamos no campo da psicopatia, porque a impossibilidade afetiva, no caso “em tela”, é exatamente o que sustenta e justifica um outro sentimento, elevado à condição de critério axiológico transcendente, e que, nessa condição, move a narrativa de Joe dentro da narrativa de Trier: a culpa. Sim, muito cristão isso! ou para ser mais preciso, muito protestante. E o diretor? toma partido? Seu personagem dialógico, o “homem feliz” é o retrato da racionalidade tolerante e compreensiva; nem tanto uma racionalidade feita empatia (a racionalidade etnográfica com que os antropólogos nos entretemos), mas sim ao revés: a empatia racionalizada (a medida da “felicidade” dinamarquesa). Seligman é quase como uma espécie de arauto sóbrio da semiótica na sua versão morfodinâmica (e matemática): a forma emerge da substância – diante da sua interlocutora, que é pura substância. Até onde foi esta primeira parte de Ninfomaníaca recém lançado, não dá pra saber conclusivamente que partido toma o diretor. Mas a última fala do (meio) filme parece lapidar, senão oracular, e é até aí onde podemos por enquanto ir, como também perguntar-nos: não seria o “homem feliz” feliz apenas por que também não “sente”?

A culpa protestante de Joe é a culpa ontológica do indivíduo, esse super-herói romântico, vaidoso e onanista. A culpa é o limite do hedonismo; é a sua consciência obscura. E consumir compulsivamente homens pode ser como consumir compulsivamente qualquer outra coisa. O fundo da desmedida hedonista é um poço. Os primeiros minutos de Ninfomaníaca são apenas a escuridão da tela com algum ruído de fundo. Estamos quase que no extremo oposto do emblemático plano fixo de três minutos sobre a cara do Che morto na Bolívia, na última cena do antológico (mesmo que panfletário) “La hora de los hornos” (1968), de Pino Solanas e Octavio Getino. Não se trata mais de deixar o tempo fílmico em suspenso, para uma possível consciência meta-textual do mundo atinar que se deve olhar ao redor. Aqui se trata de olhar apenas para dentro. E só o que se vê é o poço.

Algumas semanas antes de Ninfomaníaca entrou em cartaz (na Europa e EUA) um filme que, em lugar de uma estratégia de marketing polêmico, preferiu o caminho convencional de um largo percurso por festivais europeus (e foi considerado por alguns o grande injustiçado em Cannes), La grande bellezza, de Paolo Sorrentino. Em lugar do inverno nórdico, Roma em pleno verão. Em lugar da culpa, o cinismo corrosivo de um bon-vivant que faz do personagem de Marcello Mastroianni em La dolce vita um pobre e não mais que nostálgico naïf. Se Joe, de Ninfomaníaca, tenta se aferrar a uma narrativa causal sobre a própria vida, como se isso fosse tudo o que lhe restasse, o personagem de Sorrentino, o playboy sexagenário Jep Gambardella, escritor de um livro só e jornalista de costumes, contenta-se em flanar, para um dia, quem sabe, casualmente, talvez por puro milagre, topar-se com algo que lhe restitua um sentido de obra. Só que isso, no fundo, ele desdenha, em nome de um realismo vulgar, ou antes, de uma vulgaridade “realista”, acomodada e luxuosa, hipócrita e cafona. O que filia Sorrentino à tradição lírica do cinema italiano é conferir a esse desdém uma nota de melancolia adocicada, como se nos convidasse, malgré tout, a tomar um bellini no fim da tarde à beira do Mediterrâneo, pois se a grande beleza não parece mais encontrável, isso pode ser tudo o que restou dela.

Apesar de todas as diferenças, a mensagem íntima que parece ficar desses dois filmes europeus emblemáticos de 2013 é que de alguma forma chegou-se a um ponto de exaustão. A velha Europa está mais do que cansada. Consumir o mundo para lhe alimentar um ego narcísico parece ter chegado ao paroxismo; o paroxismo de exaurir-se. O que sugere a continuação dessa história (porque ter chegado até aqui é prova de que a história não acabou, como queria Fukuyama), ninguém sabe. Mas provavelmente, o melhor cenário em que cabe não é nem o inverno ao qual Trier se antecipa nem o verão ao qual Sorrentino se agarra, mas um outono desluzido do qual não se sabe se virá chuva ou se virá neve.

Por casualidade, é também um contraponto de imagem etária que marca as personagens principais de ambos os filmes (ao menos no caso dessa primeira parte de Ninfomaníaca). Em um caso, o velhote feioso, elegante e sedutor vivido por Toni Servillo. Em outro, a bela, magricela e distante Stacy Martin, uma espécie de antípoda à exuberância de uma Scarlett Johansson em “Match point” por exemplo, mas que é provável que, exatamente por anacronismo, acabe se tornando o símbolo sexual de um talvez longo e incerto outono. Foi-se há muito a primavera em que Jean Seberg passeava gritando pela Champs-Élysées: “– New York Herald Tribune!”.

(Disponível em: http://outraspalavras.net/destaques/dois-filmes-e-um-obscuro-outono-europeu/)

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Trinta grandes filmes que marcaram 2013 (Bruno Knott)

Nota do blog: Alguém me acompanha nestas férias? :)

Nas telas, conflitos da desigualdade; viagens incomuns; choques culturais; educação em xeque; imigração e xenofobia; tensões entre amor e amizade
Por Bruno Knott, em Obvious
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O Som ao Redor

Bia é uma dona de casa depressiva cujo sono é interrompido diariamente pelo barulhento cachorro do vizinho. João é um corretor de imóveis que trabalha para o avô, dono de quase todos os apartamentos da região. Clodoaldo é o chefe de um grupo de segurança privada que oferece seus serviços para os moradores da rua. A partir desses três personagens a história se desenvolve, sem pressa e com uma impressionante riqueza de detalhes. Com um olhar clínico, o diretor disseca a rotina e expõe os medos, angústias e preconceitos desse verdadeiro microcosmo da sociedade.
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Amor

Por mais que assistir a Amor seja doloroso, trata-se de uma experiência das mais comoventes e sinceras oferecidas pelo cinema dos dias atuais.
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Django Livre

Tarantino é um dos poucos diretores que conseguem fazer da violência puro entretenimento, algo que fica ainda mais evidente aqui. Não é todo dia que uma história de vingança com sangue jorrando de maneira abundante nos faça rir em boa parte do tempo.
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O Mestre

Paul Thomas Anderson nunca trabalha com temas fáceis e O Mestre não é uma exceção. Mesmo com uma temática difícil e pouco convencional, o filme chega a ser hipnótico, algo que se deve à técnica invejável do diretor e também às poderosas atuações do elenco, principalmente Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman.
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Os Miseráveis

É um espetáculo vibrante de sons, músicas e cores. Há um certo exagero no melodrama em alguns momentos, mas isso acaba colaborando positivamente para o resultado final deste épico musical, grandioso em todos os sentidos.
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A Hora Mais Escura

A Hora Mais Escura mostra os dez anos da difícil busca pelo terrorista Osama Bin Laden. O fato de sabermos como tudo acaba está longe de atrapalhar essa intensa experiência. Ponto para Kathryin Bigelow e para Jessica Chastain.
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Indomável Sonhadora

Chega quase a ser um milagre cinematográfico o fato de três ilustres desconhecidos serem os responsáveis por essa bela historia. Acho que isso se chama talento.
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Na Neblina

Dono de um ritmo lento e contemplativo, o filme nos transporta para a Rússia ocupada durante a Segunda Guerra Mundial. Investindo em longas cenas sem cortes e em uma fotografia primorosa, o diretor Sergei Loznitsa escancara a dolorosa realidade daquele povo. Na trama, acompanhamos um partisan desejoso de vingar a morte de seus companheiros. Ele acredita piamente que Sushenya foi o traidor. Com flashbacks reveladores, vamos compreendendo exatamente o que aconteceu.

a-parte-dos-anjos.jpgA Parte dos Anjos

Dirigido por Ken LoachA Parte dos Anjos é uma comédia eficiente que investe em um humor negro de qualidade, além de apresentar situações emocionantes e muitowhisky.
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A Caça

Este filme dinamarquês mostra como uma mentira perpetrada por uma criança pode tomar proporções catastróficas. Um dos melhores do ano.
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Dentro da Casa

O diretor François Ozon nos oferece uma experiência que foge do lugar-comum, perfeita para aqueles que gostam de literatura e de suas possibilidades.
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O Último Elvis

Mesmo com uma atmosfera triste, O Último Elvis reserva alguns momentos divertidos e muitos números musicas de extrema beleza, nos quais o ator estreanteJohn McInerny (cover de Elvis na vida real) nos encanta com sua voz, com direito a versões arrebatadoras de Always On My MindUnchained Melody e I’m So Lonesome I Could Cry. Mais um grande acerto do cinema argentino.
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O Sonho de Wadjda

Filme divertido, sensível e que parece trazer indícios de que a vida um dia pode melhorar para as mulheres do islã.
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O Que Traz Boas Novas

Após o suicídio de uma professora de uma escola do Canadá, Bachir Lazhar é contratado e vai ter que lidar com crianças traumatizados e também com regras rígidas que impedem qualquer tipo de aproximação entre professor e aluno.
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Além da Escuridão – Star Trek

Temos aqui ação do mais alto nível, com efeitos especiais usados a favor da narrativa e elevando a dose de adrenalina nas horas certas. Capaz de agradar tanto aos fãs como os que não se interessam tanto pela franquia.
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Antes da Meia-Noite

Terceiro filme da dupla Ethan Hawke e Julie Delpy que formam novamente o casal Jesse e Céline, adorado por quase todos os cinéfilos. Aqui os diálogos estão ainda mais realistas. Simplesmente, não há como não se envolver.
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Ferrugem e Osso

Ferrugem e Osso possui várias cenas poderosas de genuína beleza, principalmente quando o roteiro foca em Stéphanie e nas repercussões do seu trágico acidente.
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O Lugar Onde Tudo Termina

Uma história forte contada de maneira criativa e ambiciosa. Graças ao roteiro bem escrito, ficamos conhecendo muito bem os personagens principais e sentimos fazer parte de seus dramas.
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Tabu

Tabu é o inebriante resultado da mistura entre o cinema e a poesia em uma das mais belas línguas do mundo, o português
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Frances Ha

Frances Ha transborda sensibilidade e energia. Uma pequena obra-prima cujo sucesso se deve muito a atriz Greta Gerwig.

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Um caminhoneiro transporta uma mulher desconhecida pelas estradas da América do Sul. Com um ritmo cadenciado e vários momentos de silêncio, o filme nos absorve e nos coloca no lugar destes dois personagens extremamente autênticos.Las Acacias é realista e tocante.
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Gravidade

Um espetáculo visual único. Junto com Avatar é a melhor experiência que o cinema 3D já nos ofereceu. Alfonso Cuarón confirma o seu raro talento.
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Terra Firme

O que parecia ser um filme leve com belos cenários naturais sicilianos, transforma-se em um relato contundente sobre imigrantes ilegais que se arriscam diariamente.
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Os Suspeitos

Uma história de crime e investigação contada de maneira inteligente e intensa. Lembra um pouco Zodíaco, mas tem vida própria.
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O Verão da Minha Vida

Aquela velha história do garoto introspectivo que tem uma chance de trazer um pouco de luz para a própria vida. Além da amizade bacana que ele faz com um gerente de um parque aquático, o relacionamento dele com a mãe comove bastante, principalmente no ato final.

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Capitão Phillips

O diretor Paul Greengrass constrói uma atmosfera de tensão quase insuportável para nos contar a história real de um navio capturado por piratas somalianos. E ainda temos a impecável atuação de Tom Hanks, digna de prêmios.
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Amor Bandido

Jeff Nichols nos deixa totalmente imersos neste mundo belo e potencialmente perigoso do sul dos Estados Unidos. Com uma direção segura e calma, ele nos apresenta a vários personagens interessantes que ganham vida graças a qualidade dos atores, com destaque para Matthew McConaughey.

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Blue Caprice

Aproxime um garoto mentalmente influenciável e dono de uma mira perfeita com um homem com transtorno de personalidade, psicótico, vingativo e a facilidade de se conseguir armas. O resultado está em Blue Caprice. A violência é algo perturbador por si só, mas o que vemos aqui nos faz perder a esperança na humanidade.
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Somos o que Somos

Graças a um elenco comprometido e a um diretor talentoso, Somos o que Somos torna-se uma interessante e corajosa obra do gênero horror, com boas doses de mistério e de uma violência brutal.
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Blue Jasmine

Mais um grande trabalho de Woody Allen. Na trama, acompanhamos a derrocada de uma socialite após a perda do seu marido. Atuação magistral de Cate Blanchett.
* Infelizmente, não pude assistir a Azul É a Cor Mais Quente e Rush, que talvez entrassem para a lista. Na sua opinião, quais filmes estão faltando aqui?

domingo, 3 de novembro de 2013

O Espaço visto da Terra, em dois tempos (José Geraldo Couto)

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Como dois grandes filmes — “2001″, de Kubrick e “Gravidade”, de Quarón — quebraram nossas perspectivas espaciais e narrativas
Por José Geraldo Couto
Na saída da gloriosa sessão de 2001, uma odisseia no espaço na tela grande do CineSESC, durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um colega crítico brincou: “Não é nenhum Gravidade, mas…” A boutade me fez pensar no filme de Alfonso Cuarón à luz do clássico de Kubrick, e vice-versa.
Comecemos por Gravidade. O filme é, antes de tudo, um prodígio de tecnologia, talvez nem tanto pelo 3D, mas pela virtual abolição das referências de espaço habituais (em cima, embaixo, direita, esquerda). Cabeça para baixo, cabeça para cima, é tudo praticamente a mesma coisa, como nas sensações mais malucas experimentadas nos sonhos.
Com essa qualidade de sortilégio e prestidigitação, poderia ser uma atração de parque de diversões – e não vai aqui nenhum demérito. Afinal, o que era o cinema em seus primórdios senão um espetáculo de feira?
Formato convencional
Ocorre que, no atual estágio da indústria cultural e da organização global do entretenimento, esse espetáculo precisa ser formatado segundo determinados parâmetros, que incluem a duração (uma hora e meia), a presença de astros de sucesso (Sandra Bullock e George Clooney), a criação de um entrecho ancorado em clichês melodramáticos (a heroína que perdeu a filhinha num acidente), o heróicool que não perde o bom humor nem à beira da morte, a música redundante e enfaticamente convencional, o final feliz.
Claro que seria possível especular sobre um eventual comentário do filme acerca da geopolítica atual, pois não deixa de ser irônico que a protagonista norte-americana se sirva de equipamentos russos e chineses para voltar para casa. Também se falou do percurso da heroína pelos quatro elementos: ar, fogo, água e terra, nesta ordem.
Mas tudo isso fica em segundo plano diante da montanha-russa de sensações (olha o clichê aí – essas coisas são contagiosas) desencadeada pelo filme, com sua sucessão de sustos, trombadas e rodopios.
Já em 2001, tudo foge à ideia de um formato convencional pré-estabelecido, a começar por sua duração: duas horas e quarenta minutos, com um intervalo preenchido por música para não perder o “clima”. Começa com vários minutos de tela preta, sem imagem nem palavras, só com silêncio e uma música (“Atmospheres”, de Ligeti) que parece surgir aos poucos da cacofonia, como a ordem a partir do caos, até que entram os acordes bombásticos de “Also sprach Zarathustra”, de Richard Strauss, desde então associados indelevelmente ao filme. Estamos já no terreno do grandioso.
Dimensão metafísica
A estrutura narrativa é insólita, saltando os milênios, alternando cenas de dramaturgia naturalista a longos momentos sem diálogos, em que macacos contracenam com macacos, homens contracenam com máquinas ou máquinas contracenam com o cosmo, culminando em imagens puramente abstratas. Há buracos, elipses, zonas de sombra, enigmas não resolvidos, pontos sem nó.
Há maravilha visual também em 2001 (o filme ganhou o Oscar de efeitos especiais), mas sua tecnologia ainda é, basicamente, da ordem do artesanal, dos recursos mecânicos e fotográficos pré-eletrônicos ou rudimentarmente eletrônicos. Parece até irônico hoje que um de seus encantos, o computador inteligente Hal 9000, tenha o tamanho de um sótão, no qual o protagonista humano (Keir Dullea) entra confortavelmente.
Por mais que Kubrick fosse fascinado pela ciência, em 2001 a tecnologia não está presente como mero fetiche ou espetáculo, mas é, ela própria, objeto de questionamento, como produto humano que aspira ao sobre-humano, à superação dos limites. Toca-se, assim, no metafísico, que para alguns tem o nome de sagrado.
Os personagens de Gravidade estão soltos na ionosfera. Os de 2001 estão sozinhos no infinito, perdidos na eternidade. Se Gravidade apela aos sentidos do espectador, 2001 apela ao espírito. Nisso reside sua perene grandeza.
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