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domingo, 30 de março de 2014

Santa Catarina: por que Universidade Federal está ocupada (Caio Teixeira)

140328-UFSC

Um relato da operação truculenta e ilegal da PF, que invadiu câmpus da UFSC, agrediu alunos, desrespeitou a reitoria e fez lembrar ditadura. Reitoria segue ocupada em protesto

No Crítica da Espécie

Quando tomei conhecimento da invasão da Universidade Federal de Santa Catarina terça-feira (25/3) por policiais federais não identificados, já imaginei o teor das notícias da mídia no dia seguinte tentando dividir os atores em os que são a favor da maconha e os contra. Afinal, uma das formas mais comuns de manipular informações é desviar o foco do principal para uma falsa polêmica e esta mídia é a mesma que apoiou o golpe militar em 64. Vamos reler os fatos.

Em primeiro lugar os policiais que iniciaram a ação, não se identificaram como tal, tampouco tinham ordem judicial para prender gente. Sem se identificar, não estão efetuando uma prisão, estão realizando sequestro exatamente como os que são lembrados às vésperas do aniversário de 50 anos da ditadura militar. Nem o carro em que estavam era identificado. São práticas típicas da polícia política da ditadura. Como saber se o estudante estava sendo preso ou sequestrado? Quem sabe até por narcotraficantes? Além do mais qualquer operação policial dentro de uma Universidade Federal deve ser comunicada à Reitoria antes e negociada de comum acordo. Ninguém pode invadir uma Universidade e sequestrar estudantes. Isto acontecia, repito, na ditadura quando tínhamos um Estado sem leis e os direitos individuais estavam suspensos.

E também vamos parar com o moralismo de tratar maconha como se fosse pior que drogas legais, tipo cigarro, que mata e ninguém se importa. É que o tabaco enche os cofres de multinacionais que o exploram diretamente e da indústria de medicamentos e equipamentos médicos usados para tratar da epidemia de câncer provocada por esta droga.

Polícia que não se identifica está agindo como bandido, fora da lei, e foi tratada como bandido pelos estudantes até descobrirem do que se tratava. Ouvi o tal delegado no rádio dizendo-se ofendido pela nota da Reitoria que repudia a invasão, chamando a reitora de irresponsável e acusando-a de querer transformar a UFSC numa “república de maconheiros”. Disse quase a mesma coisa no Jornal Nacional (está ficando famoso). Exatamente o mesmo discurso da imprensa comercial. Aqui vale uma observação. O delegado Cassiano é muito jovem, deve ter passado nesses últimos concursos que são disputados por uma nova categoria chamada de concurseiros.

policia_federal__grande

Nada posso afirmar do delegado pois não o conheço. Mas conheço muitos outros.  Estas pessoas são na maioria jovens que, tão logo recebem o diploma, se ocupam unicamente de estudar e viajar pelo Brasil fazendo concursos, em geral, às expensas da família já que, para tanta atividade, não é possível trabalhar. Um dia são aprovados e passam a ser um juiz, um procurador, um delegado, investidos de autoridade de Estado sem que tenham experimentado a vida real. Muitos desses conhecem o mundo pelas páginas da Veja, assinada pelos pais.  Quanto ao delegado, espera-se que o Ministro da Justiça e o Ministério Público Federal abram inquérito e processem este delegado  por desacato e total despreparo emocional para o exercício da função. A Polícia Federal há muito tempo é um órgão sério empenhado como poucos no combate à corrupção e aos crimes de colarinho branco e não merece ser julgada por atos despropositados e preconceituosos como este. Irresponsável ao extremo é o delegado que mandou lançar gás lacrimogênio e outros artefatos do gênero contra estudantes desarmados na hora da saída das crianças do Colégio Aplicação, que fica a uns cinquenta metros do Centro de Ciências Humanas onde se deu o triste episódio.

Li no jornal que o delegado está substituindo o superintendente – presumivelmente em férias. Dá a impressão de que aproveitou a ausência do titular e da momentânea investidura no Poder para buscar seu minuto de fama armando uma operação espetacular.  Para que? Para capturar os donos do tráfico? Não. Para vasculhar a praia de Jurerê Internacional, onde foram presos magnatas do tráfico há pouco tempo pela própria Polícia Federal? Não. Para pegar os traficantes que abastecem de crack os morros de Florianópolis? Também não. A operação desastrosa tinha por objetivo  pegar “perigosos” estudantes de Ciências Humanas que fumavam um baseado sem colocar em risco a vida de ninguém!Para isso o delegado foi responsável pela invasão de um campus universitário, cheio de jovens estudantes, por soldados armados! Ainda bem que os estudantes também estavam armados com suas câmeras. O vídeo abaixo mostra o poder de fogo de uma lente afiada.


A Polícia Federal não tinha nada mais importante para fazer? A sociedade brasileira espera muito mais dessa instituição. Espera que prenda os óbvios donos da droga apreendida no helicóptero dos Perrela. Espera uma operação para desvendar os casos de corrupção ambiental que saltam aos olhos de qualquer cidadão de Florianópolis. Espera que prenda o presidente da Assembléia Legislativa de SC, envolvido em crimes de colarinho branco. Ocorre que criminosos grandes são sempre protegidos pela mídia e tratados como vítimas quando investigados. Lembram do banqueiro Daniel Dantas que, preso por corrupção, com mandado judicial, tentou subornar o Delegado Federal? Para a mídia, o banqueiro foi vítima e o delegado, bandido. Talvez o estudante sequestrado, por portar alguns cigarros de maconha, seja a chave para desbaratar uma quadrilha internacional de tráfico de drogas! Uau! Não sejam ridículos. Todos sabem que um mero usuário final compra a droga na esquina e jamais vai levar aos magnatas do tráfico, simplesmente porque não tem a menor ideia de quem sejam. Quem tem obrigação de saber é a polícia e para tanto deve fazer como faz com a corrupção, planejando e executando por anos operações de inteligência conjuntamente com o Ministério Público e a Justiça Federal, tudo dentro da lei. A Polícia Federal sabe fazer isto muito bem.

O delegado Cassiano, no entanto não tinha nenhum interesse em combater o tráfico na raiz, como deveria ser sua atribuição. Se tivesse esta intenção, o último lugar provável para encontrar alguma conexão seria a Universidade. Ele atuou com abuso de poder, que é crime, pois não tinha mandado para invadir uma universidade federal. Atuou aparentemente para atender interesse particular e não público (fama momentânea e espaço na mídia, sabe-se lá com que outras intenções) o que pode configurar, se apurado, crime de prevaricação. Efetuou prisão de forma clandestina pois não se identificou como polícia, o que também é crime. Somente quando a confusão foi formada os policiais se apresentaram como tal, de acordo com todos os depoimentos de professores e estudantes que presenciaram o fato.

O delegado, que talvez se sentisse melhor trabalhando no DOI-CODI do regime golpista, realizou uma “operação” pirotécnica ilegal em conluio com a Polícia de Choque, que evidentemente estava a par e a postos para o assalto e operações dessa natureza não se realizam sem preparação logística prévia. O governador, que comanda a Polícia Militar, está devendo explicações embora a autointitulada “imprensa profissional” tenha esquecido de fazer esta ligação, colocando como centro do problema não os atos abusivos do delegado e da polícia, mas reduzindo-a a uma simples questão de ser a favor ou contra a maconha. Uma das formas mais comuns de manipulação da informação pela imprensa comercial é desviar o foco da atenção do principal para um problema secundário de ordem moral sobre o qual as pessoas já tem opinião formada. Dessa forma, o debate fica resumido a uma briga de torcidas de times de futebol na qual ninguém vai abrir mão do seu time. Enquanto isso, o que deveria ser debatido, fica fora da pauta.

Por fim, uma última observação. Não deixa de ser curioso que o delegado tenha escolhido para sua operação ilegal justamente o momento em que os saudosos da ditadura se assanham, incentivadas por Veja, Rede Globo e outros veículos de comunicação que apoiaram o golpe militar. Assistimos há alguns dias até mesmo a tentativa de realização de uma patética marcha, com cartazes pedindo expressamente a volta da ditadura. A ação isolada deste delegado despreparado deve ser veementemente repudiada por toda a sociedade catarinense e principalmente pelos seus próprios colegas que tem prestado, via de regra, excelentes serviços ao país.

Quando você, que está lendo este texto, se posicionar sobre a invasão da UFSC, preocupe-se em dizer se é a favor ou contra uma polícia que age fora da lei e dos limites impostos ao Estado pela Constituição, para proteger os cidadãos. Esta é a questão principal deste debate. Os cinco cigarros de maconha só estão ai para desviar sua atenção. Não fique chapado com as interpretações da “imprensa profissional”. Ela é muito mais poderosa que a maconha para confundir sua percepção da realidade.

Inúmeras manifestações contra a ditadura estão sendo organizadas em todo o país. Elas tem por objetivo repudiar qualquer tentativa de assaltar o poder para atender interesses particulares de pessoas ou grupos minoritários. As que vão ocorrer em Florianópolis são a melhor oportunidade que temos para dizer não ao autoritarismo e repudiarmos qualquer forma de ataque à democracia, como o que ocorreu na UFSC. Muita gente prefere que fiquemos discutindo a maconha em vez de lembrarmos nosso passado para evitar que ele volte. Que nos encontremos todos na rua, dia primeiro de abril às 17 horas.

Cartaz Manifestação

(Disponível em: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/santa-cataria-por-que-universidade-federal-esta-ocupada/)

domingo, 26 de janeiro de 2014

Casamento: modo se usar. (Diego Engenho Novo)

Casamento: modo se usar.

Case-se com alguém que adore te escutar contando algo banal como o preço abusivo dos tomates, ou que entenda quando você precisar filosofar sobre os desamores de Nietzsche.

Case-se com alguém que você também adore ouvir. É fácil reconhecer uma voz com quem se deve casar; ela te tranquiliza e ao mesmo tempo te deixa eufórico como em sua infância, quando se ouvia o som do portão abrindo, dos pais finalmente chegando. Observe se não há desespero ou insegurança no silêncio mútuo, assim sendo, case-se.

Se aquela pessoa não te faz rir, também não serve para casar. Vai chegar a hora em que tudo o que vocês poderão fazer, é rir de si mesmos. E não há nada mais cruel do que estar em apuros com alguém sem espontaneidade, sem vida nos olhos.

Case-se com alguém cheio de defeitos, irritante que seja, mas desconfie dos perfeitinhos que não se despenteiam. Fuja de quem conta pequenas mentiras durante o dia. Observe o caráter, antes de perceber as caspas.

Case-se com alguém por quem tenha tesão. Principalmente tesão de vida. Alguém que não lhe peça para melhorar, que não o critique gratuitamente, alguém que simplesmente seja tão gracioso e admirável que impregne em você a vontade de ser melhor e maior, para si mesmo.

Para se casar, bastam pequenas habilidades. Certifique-se de que um dos dois sabe cumpri-las. É preciso ter quem troque lâmpadas e quem siga uma receita sem atear fogo na cozinha; é preciso ter alguém que saiba fazer massagem nos pés e alguém que saiba escolher verduras no mercado.

E assim segue-se: um faz bolinho de chuva, o outro escolhe bons filmes; um pendura o quadro e o outro cuida para que não fique torto. Tem aquele que escolhe os presentes para as festas de criança e aquele que sabe furar uma parede, e só a parede por ora. Essa é uma das grandes graças da coisa toda, ter uma boa equipe de dois.

Passamos tanto tempo observando se nos encaixamos na cama, se sentimos estalinhos no beijo, se nossos signos se complementam no zodíaco, que deixamos de prestar atenção no que realmente importa; os valores. Essa palavra antiga e, hoje assustadora, nunca deveria sair de moda.

Os lábios se buscam, os corpos encontram espaços, mas quando duas pessoas olham em direções diferentes, simplesmente não podem caminhar juntas. É duro, mas é a verdade.

Sabendo que caminho quer trilhar, relaxe! A pessoa certa para casar certamente já o anda trilhando.

Como reconhecê-la?
Vocês estarão rindo.
Rindo-se.
Curta Mais seu amor.

Texto: Diego Engenho Novo

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

USA 2014

Estou precisando escrever sobre meu processo de intercâmbio. Como não quero ficar enchendo o saco dos amigos com isso, tampouco minha timeline do facebook - acendendo o pavio da inveja -, resolvi escrever aqui no blog mesmo, onde poucos acompanham e em geral não é povo que quer meu pescoço Hahahaa

Então... já passei na homologação da universidade (na qual é avaliado o mérito acadêmico), já passei na homologação parcial da CAPES (onde avaliam o ENEM e as vagas disponíveis) e já fiz o TOEFL, agora só aguardo a nota. Sinto que fui muito bem! Espero acertar no mínimo 50% (preciso de 35% para conseguir a bolsa).

Agora começo a ir atrás das cartas de recomendação e também de escolher as universidades.

Já optei por duas professoras para as cartas, espero que elas aceitem! Desenvolvi projetos legais com elas e creio que elas me conheçam bem para poder redigir a carta.

Em relação às universidades, já tenho algumas em mente, preciso pensar melhor sobre isso ainda... São elas: Harvard, Yale, John Hopkins, University of California - Los Angeles, Columbia University e University of Pittsburgh.

Preciso escolher três dessas aí. Vou focar em uma cidade com qualidade de vida, onde eu possa continuar sendo vegetariano, praticando Yôga e ao mesmo tempo fazendo um bom curso em Public Health, com algumas cadeiras em Fisiologia ou Anatomia, talvez.

No mais, em duas semanas vou tirar meu passaporte e já vou mandar traduzir meu histórico escolar.

Ou seja: tudo encaminhadinho!! Vou ir narrando aqui pelo blog minha trajetória. Não nego que isso tudo me deixa um pouco ansioso e eu preciso sublimar escrevendo! Heheeheh

sábado, 17 de agosto de 2013

Esperança em tempos fraturados (Por Rogério Ferreira de Souza* e Carlos Eduardo Rebuá Oliveira**)

(Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/esperanca-em-tempos-fraturados/)

Desencantamento com Fúria
Estreou há pouco no Brasil o instigante filme do diretor francês Olivier Assayas, “Depois de Maio”. A obra tratou de pôr em tela toda efervescência juvenil do pós-1968, capturando, inicialmente, toda a explosão cultural e os inúmeros caminhos de possibilidades libertárias e democráticas que a juventude francesa (e mundial) acreditara atingir. Era a promessa de uma nova década, de um novo milênio e de uma nova sociedade mundial. Em defesa desses ideais estes jovens não se furtaram à luta, ao enfrentamento sempre em situações desiguais com o aparato policial militar. Todavia, isso pouco importava. A causa da luta era maior! O diretor, no entanto, vai além do clichê revolucionário e apresenta um desvanecer lento e melancólico, onde sonho e realidade concreta entram em rota de colisão levando os jovens protagonistas ao desencanto anestesiador. São engolidos pelo mar da cotidianidade em que necessidades materiais se pautam prementes ao mundo capitalista. Emprego, carreira, status, situação financeira, enfim: cai-se o véu e o mundo os engole. Iniciara o que os teóricos sociais ulteriores classificariam como juventude alienada, como uma fração social desinteressada, desmotivada, despolitizada. Uma juventude sedenta por individualização narcísica e fugaz, uma juventude neoliberal.

O filme de Assayas, trazido aqui como introdução, permite-nos, ao contrário da proposta do desencanto, do olhar lacrimal da esperança perdida e do que ficou benjaminianamente retido na aura dos movimentos de 1968, refletir sobre as inúmeras manifestações públicas promovidas e lideradas por jovens em nossa sociedade. Destarte, propõem-se dois pontos de reflexão: primeiro, pensar no que eles têm a dizer quando se manifestam violentamente pode ser um caminho aberto para entender a nossa sociedade e o “legado” de encantamento propagado pelos megaeventos? E, além disso, como e por que o dito Estado Democrático de Direito lança mão de práticas do Estado de Exceção para lidar com as mobilizações públicas promovidas pelos jovens?

Nas franjas do processo
Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de valor
é o que permanece no dia seguinte, ou como
nossa vida cotidiana é modificada.
(Slavoj Zizek)

A advertência que o filósofo esloveno faz às manifestações populares no mundo contemporâneo são sérias e de profunda reflexão. No entanto, só poderão ser apreendidas em sua totalidade em outro momento, em um pós-processo. Cabe-nos,mesmo que epidermicamente captar o momento, perceber diferenças e continuidades.

Parafraseando a afirmativa que Karl Marx e Friedrich Engels fizeram na abertura do Manifesto do Partido Comunista, há mais de 150 anos atrás – “Um Espectro ronda a Europa” – pode-se dizer que um espectro hoje também está a rondar. Um espectro que já se materializou nas ruas, nas praças, nas avenidas das grandes metrópoles mundiais.

Um espectro que assim como o movimento comunista do século XIX, descrito por Marx e Engels, vem questionando e tensionando os poderes estabelecidos do status quo capitalista. A juventude contemporânea vem assumindo um papel de protagonista nas manifestações e levantes populares dos últimos anos e trazendo para a arena pública questões candentes às toda a população. Queremos democracia diziam os jovens egípcios na Praça Tahrir! Queremos nossos empregos e salários, bradavam os jovens gregos! Queremos um novo tipo de capitalismo, “Main Street, not Wall Street” argumentavam os norte-americanos no movimento Occupy Wall Street! Queremos vida digna e o fim da corrupção no governo, em coro gritavam os “Indignados” na Espanha! Queremos um transporte digno, cidadão e público, protesta o Movimento Passe Livre nas capitais do Brasil!

Do ponto de vista dos enunciados proferidos pelos jovens manifestantes mundo afora, diferentemente do que foi a década de 1980, como demonstrado por Manuel Castells, esses novos movimentos e manifestações públicas não se fragmentam em lutas isoladas por identidades, etnias, de gênero etc. Eles lutam e reivindicam causas comuns, ou seja, são contra o modelo econômico capitalista financeiro e contra a forma de democracia representativa. Seja nos EUA, seja nos países europeus, seja na América Latina, a insatisfação contra um sistema político e econômico é a tônica desses novos movimentos, dessas manifestações públicas e desses enfrentamentos com poder policial. A ocupação de praças, avenidas, prédios e espaços públicos carregados de significados torna-se expressão máxima da indignação contra o modelo hegemônico que centralizou grande parte das discussões/questões políticas, sociais e econômicas das últimas quatro décadas.


Foto do Movimento Passe Livre em São Paulo: ação política não apenas nas redes sociais
Mas quem são esses jovens? O que pensam e o que desejam? Seriam eles a antítese do movimento proletariado que nos anos de 1980, com as greves do ABC paulista, apresentava ao país as alternativas para um estado democrático e mais justo? Seriam eles o início de um novo partido político, ou de uma nova concepção política?

Talvez seja cedo e precipitado para apresentarmos uma radiografia exata da composição orgânica dessa juventude; porque talvez, esta mesma consciência do que eles sejam, do que pensam e do que idealizam não esteja clara na própria juventude. O que é claro e significativo, e isso não resta dúvida, é a motivação voluntária que esses jovens, organizadores e participantes dos movimentos e manifestações expressam na arena pública. São estudantes universitários em sua maioria, sensíveis aos problemas sociais que atravessam toda a sociedade, principalmente os mais frágeis e vulneráveis. Por isso seu caráter emergencial. Querem produzir ruídos. Querem ser ouvidos e levados a sério. Por isso estão no dissenso. Política para os debaixo não se faz no consenso. Faz-se na luta, no grito, no se fazer presente.

O que estamos acompanhando recentemente no Brasil, com o Movimento Passe Livre, olhando retrospectivamente, vem sendo um movimento com forte participação dos jovens desde as manifestações anti-globalização nos anos de 1990. O que se pode perceber é um continuum do processo. Pensando por esse ponto de vista, o que hoje parece tomar de assalto os governantes e a as camadas conservadoras da sociedade, como algo isolado de “baderna e vandalismo”, faz eco a um processo muito maior de insatisfação social a nível mundial. A juventude brasileira que se manifesta pelas grandes avenidas das cidades não estão “atrasadas” em relação às lutas e manifestações mundiais. Estão inseridas em um sincronismo dialógico com as grandes demandas sociais. O que se mostra estar na contramão, em um profundo diacronismo em relação às conquistas e avanços políticos no âmbito das democracias são os governos, seus mandatários e seus aparelhos repressores. Como será visto a seguir.

Estado de Exceção na contemporaneidade e a relação força-consenso


E quem garante que a História
É carroça abandonada
Numa beira de estrada
Ou numa estação inglória

A História é um carro alegre
Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue
(Canción por la unidad latinoamericana,
Chico Buarque e Pablo Milanés)

Há exatos 35 anos, em junho de 1978, ocorria na Argentina a 11ª Copa do Mundo de Futebol da Fifa, durante um dos seis governos oriundos de golpes civil-militares ocorridos naquele país no século XX. Este, o mais brutal deles (1976-1983), responsável pela morte/desaparecimento de cerca de trinta mil pessoas, soube utilizar o megaevento futebolístico como propaganda do regime e propulsor do ufanismo, coroado com o primeiro título em Copas do Mundo daquele país. Do outro lado, a juventude, militantes da esquerda, movimentos sociais, parentes de vítimas, jornalistas engajados, identificavam naquele evento uma oportunidade para, através das agências de notícia internacionais, romperem o silêncio imposto e denunciarem o terrorismo de Estado apoiado e financiado por Washington. O mundo tomaria conhecimento do período de “amnésia obrigatória”, como diz Eduardo Galeano (1), e a Copa argentina teria seu “efeito colateral”: a divulgação detalhada do Estado de Exceção no país.

Hoje, às vésperas da Copa das Confederações da Fifa, a ante-sala da Copa de 2014, inúmeras manifestações – capitaneadas pela juventude — ocorrem nas grandes capitais brasileiras, tendo como pauta as mais variadas reivindicações, notadamente a diminuição/supressão do preço das passagens de ônibus. A reação do chamado Estado de Direito brasileiro tem sido imediata e violenta (como em tantos outros episódios), reprimindo com vigor aqueles que no discurso da grande mídia são taxados como “marginais”, “arruaceiros” e “bárbaros”.

Com Gramsci, entendemos que tais manifestações são, na grande maioria, de caráter econômico-corporativo (redução do preço das tarifas do transporte urbano), com alguns “ensaios” de reivindicações mais “políticas”. Pelo menos até aqui. Os participantes de tais atos são em sua maioria jovens estudantes e trabalhadores, mas o caráter heterogêneo (e as redes sociais, instrumentos importantes na divulgação/organização de diversas manifestações em todo o mundo, contribuem para essa diversidade) e “aberto” do movimento não permite rotulações, enquadramentos teóricos. Ao mesmo tempo em que produz ações espontaneístas, reúne grupos com pautas políticas mais sólidas, mais organizados (sobretudo oriundos dos setores médios); da mesma forma que quem quebra uma vidraça pode ser um trabalhador  indignado, também pode ser um representante de algum grupo mais radicalizado. Todavia, como de praxe, os atos violentos, independente de como e por quem foram praticados, são fundamentais para a pasteurização ideológica realizada pela imprensa burguesa, que homogeneíza os manifestantes (todos são violentos!) ao mesmo tempo em que deslegitima sua luta, dando seu aval para o uso indiscriminado da força por parte do Estado. É fundamental frisar que não estamos condenando ações mais radicalizadas e seus significados: a quebra de máquinas do ludismo do XIX tem seus equivalentes no presente, quando, por exemplo, um ônibus é depredado, pois materializa/simboliza o capital das empresas de transporte coletivo.

É imprescindível dizer que a violência pré-megaeventos não começou nesta semana e não se resume ao enfrentamento nas/das ruas. Já há algum tempo, as cidades sede da Copa de 2014 têm sido o palco das chamadas “limpezas urbanas” (“modernizações” no discurso oficial) já há algum tempo, em que remoção de pessoas à força de suas casas, proibição do direito de greve durante os eventos, destruição de centros de cultura, privatização do espaço público, dentre outras ações, têm provocado enfrentamentos entre o poder estatal – sob a égide do grande capital (imobiliário, financeiro, industrial, etc.), “dono” dos megaeventos em associação com o poder político federal, estadual e municipal – e a sociedade civil.

A partir de Agamben entendemos que o Estado de Exceção não se restringe aos períodos de ditaduras civil-militares, mas representa um modus operandi, um recurso “sempre à mão” dos governos das sociedades atuais, ditos democráticos:

Diante do incessante avanço do que foi definido como uma “guerra civil mundial”, o
estado de exceção tende sempre mais a se apresentar como o paradigma de governo
dominante na política contemporânea. Esse deslocamento de uma medida provisória e
excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar radicalmente – e, de
fato, já transformou de modo muito perceptível – a estrutura e o sentido da distinção
tradicional entre os diversos tipos de constituição. O estado de exceção apresenta-se,
nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e
absolutismo (AGAMBEN, 2004, p. 13).

A concepção do filósofo italiano coaduna com a perspectiva de um clássico conterrâneo seu: Antonio Gramsci. Para Gramsci, o Estado é o somatório dialético da sociedade política (aparato burocrático-repressivo) com a sociedade civil (aparelhos privados de hegemonia), ou seja, hegemonia revestida de coerção, força e consenso, orquestrados magistralmente pelo establishment burguês. Segundo ele, a força nunca pode “pesar” demais sobre o consenso e deve se apoiar na aprovação da maioria, expressa por intermédio dos canais de opinião pública, os quais se destacam os meios de comunicação e a escola/universidade, por exemplo. Da mesma forma, o consenso, a adesão a uma agenda, a uma ordem social, somente são garantidos se a iminência do uso da força estiver sempre presente. Em suma, para o intelectual marxista a supremacia de um grupo social se manifesta de duas formas: pela força e pelo consenso. Por mais que o domínio de uma classe seja consensual, tal classe não pode nunca prescindir da força, e de maneira dialética, o uso exclusivo da força não garante o poder de uma classe e suas frações sobre as demais.

Com o desquite cada vez maior entre capitalismo e democracia – como afirma Zizek (2) - e com o acirramento da luta de classes em várias regiões do mundo (destaque para a Primavera Árabe em 2010, o Occupy Wall Street em 2011 e os atuais movimentos em Espanha, Portugal, Grécia, etc.), o Estado de Exceção, o uso da força como garantia da hegemonia tem se tonado “regra” em diversos países, como pudemos ver há semanas nas grandes capitais brasileiras. No campo do consenso, é quase imediata a ação do partido-mídia – na ascepção gramsciana – e seus porta-vozes da sociedade civil, que criminalizam qualquer forma de intervenção política mais incisiva e negam cinicamente as demandas sociais, políticas, econômicas destes indivíduos/grupos que se manifestam, quando não negam sua própria existência: Quem são eles? O que querem? De onde vêm?, esbraveja a grande mídia.

Como exemplos do discurso dos grupos dominantes, podemos citar o chefe da casa civil da Prefeitura Rio de Janeiro (gestão Eduardo Paes), Régis Fichtner (3), e o cientista político Fernando Luis Schüller (4), diretor do IBMEC/RJ. Ambos defenderam  na mídia televisiva, nos últimos dias, que as manifestações se referem a “questões ideológicas/políticas”, ou seja, não representam demandas materiais, reais dos trabalhadores/estudantes. Schüller chega a afirmar que tais manifestações reúnem “pessoas que querem aparecer” e “pessoas/movimentos marginais do sistema político tradicional”.


Tropa de choque da polícia de São Paulo “fecham” a Rua Augusta impedindo passagem de manifestantes: choque de ordem é a ordem do choque
Obviamente, não quisemos igualar a ditadura argentina dos anos 1970/80 com o Brasil de hoje, tampouco afirmar que tais manifestações foram previamente planejadas para ocorrerem na conjuntura dos megaeventos. Ainda que não se possa afirmar categoricamente que há uma vinculação, também não se pode negar o uso político disso por parte dos manifestantes/movimentos. Nossa intenção foi provocar reflexões acerca da necessidade de um Estado de Exceção mesmo em regimes caracterizados como democráticos, bem como instigar no leitor o esforço de construção de uma análise de conjuntura, que seja capaz de enxergar as dinâmicas/necessidades atuais do capital, onde os megaeventos – direta ou indiretamente – afetam a vida das populações, seja com os pesados investimentos direcionados para as obras (em detrimento de inversões na saúde, educação, transportes, habitação, etc.), seja com o não-beneficiamento das cidades-sede com obras de mobilidade urbana, infraestrutura, etc., agravando ainda mais o atual estado de coisas, que não está “bem” nem nas lentes da tevê e seu espetáculo.

Tais questões não são apenas circunstanciais ao calor da hora, ao “the Day after” da forte repressão policial às manifestações populares, ocorridas em junho de 2013, em várias cidades do país. Essas questões são imprescindíveis ao debate político, acadêmico e social que esta juventude nos traz ao imprimir no espaço público a urgência da mudança em nossos “tempos fraturados (5) ”.



*Rogério Ferreira de Souza – Economista, Doutor em Ciências Sociais pela UERJ e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro –  IUPERJ/RJ

**Carlos Eduardo Rebuá Oliveira – Historiador, Doutorando em Educação pela UFF e professor da graduação bilíngue em Pedagogia do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES/RJ

(1) Extraído de: http://www.dhnet.org.br/desejos/sentidos/delirio/ddelirio.htm Acesso em 14 de junho de 2013.

(2) Extraído de: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18669 Acesso em 14 de junho de 2013.

(3) Extraído de: http://www.espbr.com/noticias/copa-vai-ocorrer-relacao-manifestacoes-diz-ministro-esporte

(4) Tal afirmação ocorreu no programa do canal Globo News, Entre Aspas, no dia 13 de junho de 2013, no debate com o professor da PUC-SP e cientista político Lúcio Flávio de Almeida. O debate/entrevista, na íntegra, está disponível em: http://globotv.globo.com/globo-news/entre-aspas/v/especialistas-discutem-osmotivos-e-efeitos-das-manifestacoes-em-sao-paulo-e-rio/2633797/ Acesso em 14 de junho de 2013.

(5) Obra póstuma do historiador marxista britânico Eric Hobsbawm, lançada este ano (2013).

Referências
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
BIANCHI, Alvaro. O laboratório de Gramsci: filosofia, história e política. São Paulo: Alameda, 2008.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. In: A era da Informática: Economia, Sociedade e Cultura. Volume 2. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
HOBSBAWM, Eric. Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX. Cia das Letras: São Paulo, 2013.
MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011.
QUINO. Toda Mafalda. Rio de Janeiro: Martins Fontes Editora, 2002.
ZIZEK, Slavoj. O ano em que sonhamos perigosamente. Boitempo: São Paulo, 2012.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Mentira e a Verdade

Só há uma certeza na mentira: ela será descoberta.

A ordem natural é o despertar para a verdade.

Marca de Nascença

Esta vai para a sessão "tosquices" interessantes deste blog: tal qual os personagens de Cloud Atlas, eu tenho uma marca de nascença em forma de cometa (na verdade, lembra muito, pois tem um corpo e uma cauda). Risos.

Não posto uma foto porque é em um lugar meio indecente! Risos.

Coincidências do Despertar

Ontem mesmo ao escrever a crônica sobre o despertar, citei as coincidências narradas no livro A Profecia Celestina. Mesmo que as tenha menosprezado perante os sonhos que guiam o caminho, logo depois fui surpreendido ao assistir ao filme Cloud Atlas (A Viagem) baseado no romance de David Mitchell.

É de uma coincidência absurda eu dissertar sobre o despertar - não cheguei a aprofundar a questão do efeito borboleta, tampouco do aspecto da física quântica entre o um e o todo, mas pensei ao escrever - e logo em seguida, antes de dormir, assistir a um filme que aborda justamente temas que eu havia acabado de escrever. Não é acaso, tenho certeza. É uma mensagem de que devo persistir nesses sonhos, que conduzirão a um sonho coletivo sólido e de felicidade.

Estou profundamente apaixonado por essas questões filosóficas e existenciais e pretendo me aprofundar cada vez mais nelas. Mas sempre com o cuidado de não tirar os pés do chão, onde de fato agirei, e não simplesmente pensarei ou sonharei. Os sonhos precisam de realizações.

Eis o trailer do filme e a sinopse do livro Cloud Atlas (A Viagem):


"Nesta história as personagens conhecem-se e voltam a reunir-se de uma vida para a próxima. Nascem e renascem. As ações e escolhas individuais têm consequências e impactos entre si no passado, presente e futuro distante. Uma alma é moldada de assassino a herói, e um simples ato de bondade tem repercussões ao longo de séculos, tornando-se na inspiração de uma revolução. Essas mesmas histórias fazem parte de uma linha narrativa que segue uma alma humana ao longo de uma jornada de descoberta e redenção durante várias encarnações. A narração mostra como as acções de um indivíduo criam uma cadeia de acontecimentos que ecoam através dos tempos, por diferentes civilizações, fazendo com que todas as histórias de todos os indivíduos sejam na verdade apenas parte de uma narrativa muito maior que começou muito antes do surgimento do homem e que permanecerá em desenvolvimento muito depois da humanidade se extinguir."

(Excerto da Wikipedia, disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cloud_Atlas)

domingo, 21 de julho de 2013

O Despertar da Felicidade

Estou maravilhado com os últimos anos de minha vida. Alguns muitos sonhos se realizaram, e essa máquina sonhadora permanece ainda a funcionar, gerando muitos outros.

Vejo minha vida, meu ser como uma estátua sendo lapidada pelo vento, pela maré, pelo sol, pela chuva, por outras e por si mesma. Mas não uma simples estátua, tal qual descreveu Michelangelo: "Bem vindo seja o sono, mais bem vindo o sono de pedra. Enquanto o crime e a vergonha permanecem em terra; Minha grande sorte, não ver ou ouvir; Não me acordem - por piedade, falem baixo." Sei que há muitos humanos - quiçá a maioria ou quase todos (ou seria isso um pré-julgamento estereotipado/preconceituoso?) - que são reais estátuas, em sono profundo. Ainda tenho dúvidas se nascemos realmente acordados ou se o estado de latência - mesmo aos berros do nascimento e tantos outros ao longo da vida - só é rompido pouco ou muito depois - ou nunca, a depender de quem se trate. O fato é que sou como uma estátua, em constante aperfeiçoamento, mas não dessas em sono profundo: uma estátua viva, no despertar.

Como disse Michelangelo, o sono de pedra garante não ver nem ouvir o crime e a vergonha. E é incrível como muitos passam a vida toda em sono de pedra, ignoram as mazelas sociais que a humanidade persiste ao longo de séculos e milênios. O despertar não é, inicialmente, agradável. Vai além da dor por compaixão ou do sentimento de pena: por isso, volta  e meia, todos passam - um exemplo que tenho claro para mim é o da alimentação vegetariana, pois não são poucos os "nossa, eu gostaria muito de ser vegetariano, fico super comovido ao ver como são os abatedouros, o sofrimento dos animais, mas simplesmente não consigo viver sem carne" que eu ouvi nesses cinco anos de vegetarianismo. Conheço muitas pessoas que também não conseguem viver sem o dinheiro, ou sem enganar as outras, ou sem enganar a si mesmas. Nos afundamos em vícios e isso denota a pior qualidade de uma estátua: sua inércia. Logo, esse protótipo de compaixão que leva à pena - inclusive por si mesmo - em nada caracteriza o despertar: este é muito mais que isso.

O início do despertar não é agradável porque ele torna clara a necessidade de mudança - e, com ela, os desafios e dores pelos quais terá de se passar. Mas não uma mudança qualquer: uma transformação de si. É como disse Tolstói em uma citação que eu gosto de repetir: "Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo." Muitas pessoas dizem não compactuar com a miséria e a fome do mundo, mas ignoram que seu estilo de vida alimenta essa situação: seja pela forma como adquire ou aplica seu capital, ou seja por muitas outras, como a alimentação que supracitei (para quem não sabe, o que se ingere de carne poderia alimentar milhares de pessoas se se investisse o mesmo de recursos para consumir vegetais). O sentimento inicial do despertar, portanto, é de desespero, inquietude, muitas vezes tristeza também - impotência quase sempre. Todavia isso é passageiro.

Tendo tomado consciência do que o cerca e de que uma mudança é necessária para se adaptar, os sonhos nascem e se fortalecem. E isso que difere uma estátua de pedra de uma estátua humana que se lapida: ela pode sonhar não só de olhos fechados, em sono profundo, mas também - e sobretudo - de olhos abertos e desperta, agindo fortemente em sua própria lapidação e ajudando as demais nas suas. Os sonhos delineiam as atitudes, o caminho. E o maravilhoso é que, pela própria inércia - talvez a mesma que deixa outras pessoas em sono de pedra infinito -, esses sonhos e realizações alimentam outros, então eles não atingem um fim por si só, mas constituem um caminho - talvez infinito - de aperfeiçoamento.

É um despertar contínuo, pois o primeiro passo depois de abandonar os grilhões da caverna é abrir os olhos. Porém são olhos ainda acostumados à escuridão da caverna e que doem ao ver e muitas vezes veem pouco. O tempo e a vontade de continuar o despertar é que definem a clareza do que se vê e o que se faz necessário para continuar e ver ainda mais, e fazer ainda mais. Ainda vendo com clareza, há um mundo todo para explorar. E depois do mundo há o universo - que dizem ser infinito.

Há uma série de desenho animado japonês chamada Ergo Proxy que trata exatamente disso e a qual me trouxe algumas das reflexões citadas nesta crônica. Ela trata de um mundo pós-apocalíptico, em que a humanidade abandonou a Terra porque não havia mais condições de existência e deixou alguns seres sobrenaturais que seriam responsáveis de cuidar de células de sociedade pelo mundo, em enormes redomas onde a vida era viável e garantida por meio de clones. A trama traz em si várias questões e metáforas filosóficas - e deixa isso claro logo em seu episódio primeiro, ao apresentar em seus personagens vários nomes de pensadores da Humanidade, tais quais Deleuze e Lacan. E é justamente sobre sair da redoma, conhecer o mundo que a cerca, desvendar as relações sociais e ocultas que construíram essas sociedades, descobrir quem são os Proxys - os seres sobrenaturais supracitados - e qual o sentido disso tudo.

Vi no filme A Profecia Celestina - baseado em livro homônimo -, logo em seu início, um professor de História, em uma sala de aula, com uma arte mostrando a longitudinalidade da evolução humana, desde o Big Bang, perpassando os dinossauros e chegando até os humanos, por fim, no modus vivendi atual em sociedade, cidades, etc. e que perguntava, ao final da ilustração "What's next?". O filme, tal qual o livro, ensina por meio de um insight da Profecia Celestina, que a vida mostra qual é o próximo caminho, que conduzirá à felicidade e realização. Ele fala de coincidências - que não são apenas acaso - as quais conduzem as pessoas. Mas, ao meu ver, além dessas coincidências - não nego que existam, embora eu não me preocupe com sua origem -, há os sonhos - eles definem o caminho do despertar. Então, o próximo passo é definido pelos sonhos que se alimentam naqueles que veem e que, coletivamente, conduzem à uma revolução social abrangente. Há sonhos coletivos também.

Meus sonhos têm me guinado no sentido de aprimorar as formas de relações interpessoais. Não escondo de ninguém que eu desejo a sociedade socialista - sempre friso: não aquela de Marx. E cada vez mais me aproximo de pensadores como Fourier e Owen, alimentando a convicção de que a sociedade não se muda pela economia tão somente - quiçá sejam causa e consequência uma da outra. Ela deve se transformar, sobretudo por si, por dentro de suas entranhas, pelas formas como as relações se estabelecem entre as pessoas. Por isso, não basta ter pena dos miseráveis que passam fome e morrem na África (ou mesmo no Brasil, por mais que muitos neguem isso): é preciso ter amor, como ensinou Jesus; é preciso se sentir um dos culpados disso; é preciso sonhar a mudança; e é preciso agir por ela. E eu ajo pelo socialismo, principalmente aquele que muda a sociedade por meio de suas relações internas, sutis, cotidianas. Esse tem sido o caminho que venho construindo com meus sonhos e o qual tem moldado meu ser, aperfeiçoando cada vez mais essa estátua que não é de pedra bruta.

E é por isso que estou maravilhado com os últimos anos de minha vida: eu estou permeando-a cada vez mais de sonhos e realizações. E cada vez desejo sonhar mais. Cada vez me preocupo menos com "ter", para "ser" e fazer" como modos de "servir": servir à minha felicidade e a tudo que me cerca também, sobretudo Àqu-le que me proporciona essa existência. E eu sinto que meus sonhos fazem parte de um plano maior, um sonho coletivo que culminará em uma nova sociedade. Meu caminho é este definido pelos meus sonhos e realizações, essa é minha história. E, apesar das dores e sofrimentos, as realizações e os sonhos do despertar são sensivelmente mais próximos daquilo que constrói a felicidade verdadeira: construir-se (aperfeiçoar-se) é construir sua própria felicidade.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

As diferenças: a rapaziada é #, a pelegada é $, de Josias de Souza

As diferenças: a rapaziada é #, a pelegada é $, de Josias de Souza
(Disponível em: http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/07/11/as-diferencas-a-rapaziada-e-a-pelegada-e/)


Excluídas das passeatas de junho, as centrais sindicais e seus penduricalhos (UNE, MST, PT, PCdoB, PDT e etcétera) organizaram o seu próprio ‘Dia Nacional de Luta’. Isso foi ótimo. Ajudou a explicar por que a rapaziada refugou a ‘solidariedade’ da pelegada partidário-sindical. São muitas as diferenças entre os dois movimentos. A principal delas é a forma como os dois grupos se relacionam com os cofres públicos. Um entra com o bolso. Outro usufrui. Vai abaixo uma tentativa de distinguir o novo do antigo:



A rapaziada é #. A pelegada é $.

A rapaziada é o bolso. A pelegada é imposto sindical.

A rapaziada é coxinha. A pelegada é pastel-de-vento.

A rapaziada é sacolejo. A pelegada é tremelique.

A rapaziada é YouTube. A pelegada é videoteipe.

A rapaziada é Facebook. A pelegada é assembléia.

A rapaziada é máscara de vingador. A pelegada é cara de pau.

A rapaziada é viral. A pelegada é bactéria.

A rapaziada é chapa quente. A pelegada é chapa branca.

A rapaziada é sociedade civil. A pelegada é sociedade organizada.

A rapaziada é banco de praça. A pelegada é BNDES.

A rapaziada é a corrida. A pelegada é o taxímetro.

A rapaziada é asfalto. A pelegada é carro de som.

A rapaziada é horizonte. A pelegada é labirinto.

A rapaziada é fumaça. A pelegada é cheiro de queimado.

A rapaziada é explosão. A pelegada é flatulência.

A rapaziada é o público. A pelegada é a coisa pública.

A rapaziada é combustão espontânea. A pelegada é ignição eletrônica.

A rapaziada é luz no fim do túnel. A pelegada é beco sem saída.

A rapaziada é pressão popular. A pelegada é lobby.

A rapaziada é farinha pouca. A pelegada é meu pirão primeiro.

A rapaziada é terra em transe. A pelegada é cinema novo-velho.

A rapaziada é o desejo de futuro. A pelegada é o destino-pastelão.

A rapaziada é namoro. A pelegada é tédio conjugal.

A rapaziada é grito. A pelegada é resmungo.

A rapaziada é algaravia. A pelegada é palavra de ordem.

A rapaziada é poesia. A pelegada é pedra no caminho.

A rapaziada é dúvida. A pelegada é óbvio ululante.

A rapaziada é Fora Renan. A pelegada é o bigode do Sarney.

A rapaziada é abaixo a corrupção. A pelegada é a perspectiva de inquérito.

A rapaziada é mistério. A pelegada é indício.

A rapaziada é a alma do negócio. A pelegada é o segredo.

A rapaziada é novidade. A pelegada é o mesmo.

A rapaziada é anormalidade. A pelegada é vida normal.

A rapaziada é impessoal. A pelegada é departamento de pessoal.

A rapaziada é decifra-me. A pelegada é devoro-te.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

A Vida, A Humanidade, A Medicina e Eu

Pode soar banal o que irei abordar em minha crônica hoje, mas é incrível como das banalidades surgem reflexões interessantes.
Hoje sofri minha primeira reprovação importante na faculdade.
Vim no ônibus pensando no que isso representa em minha vida, depois de ter conversado com o professor do módulo sobre isso. Veio-me à mente questões importantes as quais o docente suscitou e muitas outras, coisas da minha cabeça.
Será que é a Medicina mesmo minha futura profissão?
Não sei. Se nem tenho certeza se realmente existo ou qual a natureza de minha existência, por que eu deveria saber isso? Por que eu deveria saber se fiz a escolha correta? O que sei, e disto tenho certeza, é que essa escolha tem me propiciado experiências de desafio, frustrações, conquistas. Tenho plena consciência de que, muito além da aquisição de conhecimentos e habilidades, essa formação está me construindo como sujeito, meu caráter, minha forma de relacionar-me. Tenho a impressão de que não importa a profissão em que eu esteja, a escolha que eu faça, em qualquer lugar eu vou conseguir essa construção pessoal e como isso é um dos fatores que mais pesam em minha escolha, tanto faz eu estar na Medicina ou em qualquer outro curso.
Outro fator que pesa muito é a minha participação na transformação social. Apesar de várias mágoas e desencantos com a sociedade, há algo muito forte dentro de minha mente: ser útil. E utilidade, para mim, é servir à formação de um novo modelo de sociedade, baseado em justiça social. Esse ponto me aproximou muito da Medicina quando conheci o funcionamento do SUS e o novo conceito ampliado de saúde. O controle social e a capacidade de agir na mudança da comunidade pela atenção primária é algo que me fascina, é um desejo que faz meu coração bater mais forte.
No entanto, há um significativo fator limitante: meu estilo de vida. Prezo pela minha saúde, em todos os sentidos. E eu possuo uma tendência a ter um relógio biológico um pouco diferente das outras pessoas: tendo a adormecer mais tarde e a despertar no final da manhã. E é uma tortura para mim - realmente uma tortura, acredite - acordar cedo. Em, minha faculdade, as aulas iniciam às 7h30, que vão até 11h50 e se cursar a fase completa continua das 13h30 às 17h10 - todos os dias úteis. Ainda há o tempo para o estudo sozinho, para desenvolver projetos (pesquisa, extensão) e sobra muito pouco para outras coisas que eu necessito: alimentação saudável, exercício físico, sono de qualidade. E Política.
Tenho um prazer quase que intrínseco por Política. Parece que nasci gostando. Eu amo tudo que advém das ciências sociais, me encanta entender e viver os relacionamentos interpessoais, as construções como indivíduo e sociedade. E daí surge outro fator que acarreta dúvidas quanto minha escolha profissional. Será que eu não devia ter escolhido Ciências Sociais? Psicologia? Filosofia?
Pode parecer estranho, mas o que me motivou a escolher Medicina, e não essas profissões foi a humanidade. Eis um motivo que me levou a descartar Agronomia também, outra área que me interessa. Eu preciso de uma profissão que me deixe em contato constante com humanos, gente, pessoas. Há algo em minha constituição mental que sempre me leva à frieza, objetividade, um perfil ótimo para um pesquisador tradicional ou para um empresário à moda antiga, mas que eu não valorizo. Tenho uma preocupação enorme em perder minha humanidade e dedicar-me a essas áreas sociais me conduziria a ficar preso em uma biblioteca, em meio a livros, teorias, etc., entretanto longe de pessoas. Seria uma excelente forma de eu superar minhas dificuldades, todavia seria uma fuga de minha construção como sujeito e de minha contribuição real à sociedade.
É difícil para mim contar essa história em uma conversa de bar, ou mesmo para meus amigos da faculdade. Não sei se por vergonha, ter medo de parecer um idiota, ou ser mesmo um idiota ou um esquizofrênico, enfim... em meio a banalidades, em palavras constituo minhas reflexões, sem medo do que pensará o leitor, pois nesse momento estamos apenas eu e meu instrumento de redação. O depois é o depois, pois agora sou eu e meus pensamentos, apenas.
Sim, o agora sou eu, pensando em ser ou não médico. Contudo o que é ser médico hoje? Antes da faculdade, para mim, o médico era um "mestre das doenças", e em meus estudos pude conhecer o ser médico "mestre da vida", que ajuda as pessoas a encontrarem formas de viver melhor em uma sociedade e um mundo que a todo instante a ela impõe dificuldades, em doenças que acometem ora seu corpo, mas ora também seu espírito ou mente - ou ambos. E é com a vida que eu me comprometi.
Logo antes de passar no vestibular, eu fiz um ritual próprio, pessoal e íntimo de compromisso com D-us. Eu me comprometi à trabalhar pela vida, pela sua manutenção, criação e aperfeiçoamento. E a vida é dinâmica, a vida está nas ruas, e não dentro das quatro paredes de uma biblioteca, ou de um laboratório. Está também na natureza semi-intacta (já que hoje poucos são os lugares onde o homem não imprimiu o reflexo de sua existência). E isso me remete novamente a ser médico. A Medicina concebida sob o aspecto da comunidade, relaciona-se com tudo: meio ambiente, sociedade, pessoas - e suas mentes, psicologia. E é aí que eu sinto que devo estar, no meio de "tudo", na vida.
Tratei aqui muito de fatores limitantes e fortalecedores internos até agora, mas há questões externas também. Diante de toda a dificuldade que tenho enfrentado em meu curso, imagine abrir o facebook e ver uma "enchente" de imagens e comentários do tipo "médico filho de papai", de que Medicina é vida boa, de que ser médico é ser elite, sem se preocupar com as pessoas, etc. Pode parecer ridículo, mas é desmotivador. Por que estou sofrendo tanto em servir à sociedade, agindo no sentido de possibilitar uma nova forma de relação social e de Medicina, inclusive, enquanto as pessoas menosprezam tanto minha profissão? Sei que há os maus médicos, mas há maus professores, maus engenheiros, há gente boa e ruim em todas as profissões. É desmotivador me esforçar e sofrer tanto para me formar na profissão que todo mundo vê com tanta negatividade generalizada.
O fato é que minha reprovação, realmente, está alicerçada em todos esses fatores. Enquanto tento domesticar meu sono, encontrar um equilíbrio entre o tempo para minhas atividades pessoais e profissionais, há a pressão. Pressão da família para que eu me forme logo e possa ajudar a sustentá-la. Pressão dos professores para que eu resolva logo meus problemas e me torne enfim um "bom aluno". Pressão dos colegas para que eu não seja um vagabundo, ou um perdido, como muitos me veem. Pressão dos amigos pessoais, que desejam compartilhar a vida social comigo, mas não conseguem porque estou muito dedicado à faculdade. E, não menos importante, enfim, minha pressão pessoal em atender a todos esses chamados da sociedade e, ao mesmo tempo, construir algo que defina "quem sou eu", para num futuro próximo resolver a questão de se a Medicina é a escolha correta, de fato, para mim.
Essas reflexões interessantes que surgiram da banalidade me conduzem ao que eu sempre soube, depois de me tornar estudante de Medicina: eu sei que vou sofrer, talvez mais do que já sofro, contudo eu devo persistir. Estou crescendo como nunca antes, estou cada vez mais perto de meus sonhos, de me tornar quem sempre desejei. Talvez no futuro eu venha a optar por uma outra profissão, mas por agora eu sei que estou onde devo estar e devo continuar persistindo, sofrendo se preciso, mas contentar-me felizmente em saber que estou onde devo estar. Posso não me tornar médico num futuro próximo, todavia estou me formando humano, gente. E isso me basta, mesmo que ser humano, hoje, não me garanta estar vivo - no capitalismo, o pão, a água, etc. se compra com o trabalho. No entanto, mesmo assim, me basta ser humano, ainda que um dia isso me custe a vida. Sou e continuarei sendo humano, cada vez mais. E, por agora, sou e continuarei estudante de Medicina. Que assim seja, até que a humanidade nos separe.

terça-feira, 9 de abril de 2013

O Destino

 Não tem nada melhor do que poder "dizer" ao destino: obrigado por ter dificultado as coisas naquele momento, daquela forma.

Dias como hoje me dão a certeza de que tudo é predestinado e harmônico. E, em certos momentos, por mais que a revolta e a ansiedade tomem conta, o melhor que há a fazer é ter calma, paciência e simplesmente "aguardar" (o que não é sinônimo de não fazer nada).

É preciso nadar com a maré! Nossa vida tem um destino, só precisamos utilizar as ondas ao nosso favor.
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