Há pouco mais de um ano, tomei a decisão que influenciará fortemente todo o resto de minha vida: decidi não ser médico.
Em 2010, ingressei no curso de Medicina na Universidade Federal de Santa Catarina após duas tentativas pelo concurso vestibular. Anos se passaram, fui a um intercâmbio nos Estados Unidos que abriu minha mente às possibilidades e me deu força e coragem para agir e mudar meu rumo. Optei por não ser médico, por trocar de curso e dar uma nova direção à minha vida profissional. Há algumas semanas, já em 2016 - ironicamente seria o ano em que me formaria, caso não tivesse atrasado o curso -, concretizei os planos: solicitei cancelamento de matrícula na UFSC e fui aprovado em primeiro lugar no concurso vestibular Fuvest para Saúde Pública na USP e em primeiro lugar no concurso SISU/ENEM para Saúde Coletiva na UFRGS.
E aqui estou, parando brevemente antes de prosseguir para refletir e compartilhar as experiências e aprendizados acumulados. Pelos próximos dias, farei uma série de postagens no meu blog elencando o porquê de eu ter escolhido não ser médico e, consequentemente, de ter mudado completamente meu rumo profissional.
Para mim, servirá de registro para sempre me lembrar das motivações, das experiências e dos sentimentos que permearam e que me conduziram a este novo caminho. Para outrem,, acredito que pode ter inúmeras funções. Caberá ao leitor definir qual mais lhe cabe: se é motivar para também trocar de curso, se é para motivar a perseguir os próprios sonhos, se é para questionar a Medicina ocidental atual, enfim, várias possibilidades se abrirão neste percurso. Fica o convite para refletir comigo. E ficam abertas as portas para as trocas.
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sábado, 6 de fevereiro de 2016
domingo, 25 de maio de 2014
O aborto na fogueira eleitoral (Eliane Brum)
Todos os perigos parecem ainda morar no corpo da mulher, inclusive, de várias maneiras, para os políticos brasileiros em campanha
Por Eliane Brum
Aconteceu de novo. E logo cedo. Depois de assistir à missa de Páscoa no Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, Eduardo Campos, pré-candidato à presidência da República pelo PSB, foi confrontado com a pergunta do aborto. Contra ou favor? Era o colarinho do cardeal Dom Raymundo Damasceno, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ao seu lado, que estava justo, mas foi Campos que espremeu a seguinte resposta: “Acho que a legislação brasileira é adequada e, como cidadão, minha posição é a de todos. Não conheço ninguém que seja a favor do aborto”. E acrescentou: “Como cristão, cidadão e pai de cinco filhos, minha vida já responde à pergunta”. Dias depois, Campos afirmou, durante uma coletiva de imprensa, que seu “ponto de vista é muito claro”, mas que “respeita o ponto de vista dos outros”. Disse ainda que sua posição sobre o aborto é “pública”, porque já foi candidato outras vezes, e sugeriu aos jornalistas que dessem “um Google” para buscar a resposta, o que é um tanto extraordinário.
Nos últimos anos, o tema se tornou uma moeda de barganha eleitoral. Todos os dias mulheres de todas as religiões fazem abortos no Brasil. Aos 40 anos, uma em cada cinco brasileiras já fez aborto. A cada dois dias uma mulher morre por aborto ilegal. Muitas deixam crianças órfãs, num ciclo de dor e miséria que mereceria a atenção de qualquer cidadão, mais ainda de alguém que pleiteia governar o país. Mas a questão do aborto, de fato, nenhum candidato parece querer discutir com a seriedade e a honestidade exigidas para algo com tanto impacto sobre o país. O assunto só aparece como instrumento de chantagem na busca inescrupulosa por todo o apoio possível, nesse caso o voto religioso. O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, foi outro que assistiu à missa de Páscoa em Aparecida.
Está aberta a temporada de beija-anel de bispo e cardeal. Logo, será a vez dos grandes pastores midiáticos. O Estado é laico, mas as últimas campanhas mostraram que parte dos candidatos impõe as mãos, rala os joelhos e rasga princípios no maior número de altares que conseguir. A transformação de vidas humanas em moeda eleitoral mostra o quanto o debate político é rebaixado no Brasil. Revela também o quanto o Estado brasileiro ainda é frágil diante da pressão das religiões. As igrejas podem defender comportamentos morais para os seus fiéis, mas não impor suas prescrições ao conjunto dos cidadãos brasileiros. Cabe ao Estado laico zelar para que os limites não sejam ultrapassados, o que se perde quando direitos fundamentais viram instrumento de chantagem.
A declaração de Campos – “não conheço ninguém que seja a favor do aborto” – provocou protestos nas redes sociais. Páginas foram criadas no Facebook nas quais pessoas se apresentam, ironicamente: “Prazer, Eduardo Campos, eu sou a favor da descriminalização do aborto e existo”. A frase usada por Campos é um conhecido truque retórico, como bem aponta a jornalista Carla Rodrigues em seu blog. Evoca a ideia de que ninguém seria a favor de eliminar embriões como método contraceptivo. Mas a questão, como Campos sabe muito bem, é ser a favor das mulheres que fazem aborto, assegurando seu direito de decidir sobre a própria maternidade e protegendo a sua saúde, para que não morram em procedimentos clandestinos. O tema que precisa ser enfrentado, como Campos sabe muito bem, é de como amparar as mulheres que têm morrido por não serem amparadas – mesmo nos casos em que o aborto já é permitido no país: risco de morte da mãe, gravidez por estupro, gestação de feto anencefálico.
A decisão sobre se pode ou não levar adiante uma gravidez é privada, pertence à cada mulher. É uma escolha íntima, em geral difícil. Essa decisão individual só assume uma dimensão pública na medida em que o Estado deixa de assegurar às mulheres os meios para ter sua escolha respeitada. Assim, a questão do aborto no Brasil, se não diz respeito apenas à saúde pública, é também de saúde pública. E uma das mais sérias, já que atinge as brasileiras mais pobres, que arriscam a vida no banheiro de casa, enquanto as mais ricas interrompem a gestação com razoável segurança em clínicas privadas. O direito ou não ao aborto no Brasil, como qualquer um que não é cínico sabe, tanto quanto o direito a sobreviver ou não a ele, é uma questão de ter ou não dinheiro para fazê-lo em condições seguras. Só é assim porque barganhar com a vida das mulheres pobres, que dependem do SUS, continua sendo um esporte lucrativo, tanto nas eleições quanto nos corredores do Congresso.
Em 2013, grupos evangélicos e também católicos, como o Pró-Vida e Pró-Família, ameaçaram Dilma Rousseff com a retirada de apoio na reeleição, alegando que ela estaria, “na prática, legalizando o aborto no Brasil”. A presidente havia acabado de sancionar sem vetos a lei, aprovada pela Câmara e pelo Senado, que obriga os hospitais a prestarem atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de violência sexual. Entre outros direitos, a mulher que sofre estupro pode obter na rede pública a chamada pílula do dia seguinte, para não correr o risco de engravidar do estuprador. Era sobre isso que grupos religiosos radicais protestavam.
Na época, escrevi um artigo intitulado “O aborto e a má fé”, em que apontava para a possibilidade de que o nível da campanha de 2014 pudesse ser ainda mais baixo que o de 2010. É curioso, mas também triste, que a largada tenha sido dada por quem se apresenta como protagonista de uma “nova política”, e também como “socialista”. Novo, de fato, seria enfrentar a questão do aborto com a profundidade que o tema exige. E bem longe da simplificação de plebiscito, defendida na campanha anterior por Marina Silva (Rede), a anunciada vice de Eduardo Campos nas eleições presidenciais desse ano, que é evangélica.
Propor que o aborto seja matéria para um plebiscito é usar de má fé, ao tentar dar uma aparência democrática a um pensamento autoritário. Cabe à democracia respeitar a vontade da maioria, ao, por exemplo, eleger um presidente da República, governadores e legisladores, mas também cabe à democracia assegurar os direitos das minorias. Questões de ética privada, como o aborto e a união de pessoas do mesmo sexo, não são matérias de plebiscito. Referem-se à garantia dos direitos fundamentais de cada cidadão. Num debate político é menos importante saber o que cada candidato fará diante de uma escolha de ordem moral e privada em suas próprias vidas, do que saber claramente como vão cuidar das brasileiras que morrem porque o aborto é criminalizado no Brasil. A crença ou não crença religiosa de cada candidato só diz respeito ao eleitor se essa crença ou não crença interferir na garantia dos direitos fundamentais de quem fará escolhas diferentes no âmbito da sua vida privada. Homens ou mulheres públicos governam para assegurar os direitos fundamentais de todos – os que fariam a mesma escolha moral que eles e também os que não fariam. Ao transformar o aborto em moeda eleitoral para faturar o voto religioso, a democracia escorre para o esgoto.
Nas primeiras campanhas eleitorais após a ditadura, os candidatos costumavam evitar abordar o tema do aborto. Aos poucos, ao perceber o potencial eleitoral do crescimento dos evangélicos no Brasil, alguns oportunistas começaram a perceber que jogar o aborto na mídia e no palanque poderia ser conveniente. Tanto para conquistar o voto religioso quanto para derrubar opositores (cada vez mais raros) com escrúpulos de se tornar coroinhas de última hora. No período recente, ninguém fez isso com maior truculência do que José Serra (PSDB), na campanha eleitoral de 2010.
Para lembrar, porque é importante manter a memória viva. No final do primeiro turno de 2010, a internet e as ruas foram tomadas por uma campanha anônima, na qual se afirmava que Dilma era “abortista” e “assassina de fetos”. Dilma começou a perder votos entre os evangélicos e parte dos bispos e padres católicos exortou os fiéis a não votar nela. Serra empenhou-se em tirar proveito do ataque vindo das catacumbas, determinando o rumo da campanha dali em diante. E Dilma correu a buscar o apoio de religiosos, acabando por escrever uma carta declarando-se “pessoalmente contra o aborto”. Nela, comprometia-se, em caso de vencer a eleição, a não propor nenhuma medida para alterar a legislação sobre o tema. Logo, tanto Serra quanto Dilma despontaram no espetáculo eleitoreiro como devotos tomados por um fervor religioso até então desconhecido de quem acompanhava a sua trajetória. Serra apregoou que tinha “Deus no peito”. Dilma agradeceu “a Deus pela dupla graça” e, usando o mote dos grupos mais radicais do catolicismo, afirmou que fazia “uma campanha, antes de tudo, em defesa da vida”.
Nesse sentido, talvez a campanha de 2010 tenha sido o momento mais baixo desde a redemocratização do país. O que nela se passou escancarou as portas para todas as leviandades e recuos que vieram depois, nos temas relativos à saúde da mulher e ao respeito à diversidade sexual. Basta lembrar, entre outros, do cancelamento do kit anti-homofobia, que seria usado nas escolas públicas, e a retirada do ar do vídeo de uma campanha de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, na qual uma prostituta dizia ser “feliz”. O fato de uma mulher ser feliz e ser prostituta parece ter ferido mais a sensibilidade dos hipócritas de ocasião (e do governo) do que pessoas adoecerem ou mesmo perderem a vida por doenças evitáveis.
Os protagonistas desse rebaixamento do debate político jamais devem ser esquecidos. A coerência dos candidatos, assim como seu comportamento diante de temas espinhosos, mas de extrema importância, revelam como cada um deles vai atuar quando tiver o poder. Se a campanha eleitoral de 2014 superar a de 2010, na chantagem com temas que dizem respeito a vidas humanas – e isso num momento em que os brasileiros nas ruas exigem maior participação na política e maior responsabilidade daqueles que foram eleitos para cargos públicos – será assombroso. Quando Eduardo Campos afirma que não conhece “ninguém que seja a favor do aborto”, apenas reforça a suposição de que, em vez de uma alternativa à “velha política”, como seus marqueteiros se esforçam para difundir, ele seria mais um representante da política viciada e permeável às chantagens de ocasião.
É importante pensar por que o aborto, mais uma vez, ameaça despontar numa eleição presidencial como instrumento de barganha para o apoio e o voto religioso – e não outro dos temas morais. Por que, de novo, é do corpo da mulher que se trata. Por que, outra vez, a disputa rasteira se dá sobre a topografia feminina. O que isso oculta? O que revela? A questão talvez seja menos o aborto, mas sim em que medida a religião pode controlar, via Estado, a reprodução das mulheres – e, especialmente, a sexualidade das mulheres. A pergunta é por que, ainda hoje, no século 21, é tão crucial manter o controle sobre o corpo feminino.
Parece que a visão medieval que localiza no corpo das mulheres a morada de todos os perigos continua atual. Inclusive para políticos em campanha. Enquanto isso, mulheres reais morrem porque, quem tem o dever de debater e promover políticas públicas para assegurar seus direitos fundamentais, chantageia com suas vidas. Cabe a cada cidadão impedir que a eleição de 2014 se torne uma trágica repetição da indignidade testemunhada em 2010, na qual votos foram negociados sobre cadáveres femininos.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Email:elianebrum.coluna@gmail.com. Twitter: @brumelianebrum
(Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/28/opinion/1398692471_063651.html)
Por Eliane Brum
Aconteceu de novo. E logo cedo. Depois de assistir à missa de Páscoa no Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, Eduardo Campos, pré-candidato à presidência da República pelo PSB, foi confrontado com a pergunta do aborto. Contra ou favor? Era o colarinho do cardeal Dom Raymundo Damasceno, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ao seu lado, que estava justo, mas foi Campos que espremeu a seguinte resposta: “Acho que a legislação brasileira é adequada e, como cidadão, minha posição é a de todos. Não conheço ninguém que seja a favor do aborto”. E acrescentou: “Como cristão, cidadão e pai de cinco filhos, minha vida já responde à pergunta”. Dias depois, Campos afirmou, durante uma coletiva de imprensa, que seu “ponto de vista é muito claro”, mas que “respeita o ponto de vista dos outros”. Disse ainda que sua posição sobre o aborto é “pública”, porque já foi candidato outras vezes, e sugeriu aos jornalistas que dessem “um Google” para buscar a resposta, o que é um tanto extraordinário.
Nos últimos anos, o tema se tornou uma moeda de barganha eleitoral. Todos os dias mulheres de todas as religiões fazem abortos no Brasil. Aos 40 anos, uma em cada cinco brasileiras já fez aborto. A cada dois dias uma mulher morre por aborto ilegal. Muitas deixam crianças órfãs, num ciclo de dor e miséria que mereceria a atenção de qualquer cidadão, mais ainda de alguém que pleiteia governar o país. Mas a questão do aborto, de fato, nenhum candidato parece querer discutir com a seriedade e a honestidade exigidas para algo com tanto impacto sobre o país. O assunto só aparece como instrumento de chantagem na busca inescrupulosa por todo o apoio possível, nesse caso o voto religioso. O ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, foi outro que assistiu à missa de Páscoa em Aparecida.
Está aberta a temporada de beija-anel de bispo e cardeal. Logo, será a vez dos grandes pastores midiáticos. O Estado é laico, mas as últimas campanhas mostraram que parte dos candidatos impõe as mãos, rala os joelhos e rasga princípios no maior número de altares que conseguir. A transformação de vidas humanas em moeda eleitoral mostra o quanto o debate político é rebaixado no Brasil. Revela também o quanto o Estado brasileiro ainda é frágil diante da pressão das religiões. As igrejas podem defender comportamentos morais para os seus fiéis, mas não impor suas prescrições ao conjunto dos cidadãos brasileiros. Cabe ao Estado laico zelar para que os limites não sejam ultrapassados, o que se perde quando direitos fundamentais viram instrumento de chantagem.
A declaração de Campos – “não conheço ninguém que seja a favor do aborto” – provocou protestos nas redes sociais. Páginas foram criadas no Facebook nas quais pessoas se apresentam, ironicamente: “Prazer, Eduardo Campos, eu sou a favor da descriminalização do aborto e existo”. A frase usada por Campos é um conhecido truque retórico, como bem aponta a jornalista Carla Rodrigues em seu blog. Evoca a ideia de que ninguém seria a favor de eliminar embriões como método contraceptivo. Mas a questão, como Campos sabe muito bem, é ser a favor das mulheres que fazem aborto, assegurando seu direito de decidir sobre a própria maternidade e protegendo a sua saúde, para que não morram em procedimentos clandestinos. O tema que precisa ser enfrentado, como Campos sabe muito bem, é de como amparar as mulheres que têm morrido por não serem amparadas – mesmo nos casos em que o aborto já é permitido no país: risco de morte da mãe, gravidez por estupro, gestação de feto anencefálico.
A decisão sobre se pode ou não levar adiante uma gravidez é privada, pertence à cada mulher. É uma escolha íntima, em geral difícil. Essa decisão individual só assume uma dimensão pública na medida em que o Estado deixa de assegurar às mulheres os meios para ter sua escolha respeitada. Assim, a questão do aborto no Brasil, se não diz respeito apenas à saúde pública, é também de saúde pública. E uma das mais sérias, já que atinge as brasileiras mais pobres, que arriscam a vida no banheiro de casa, enquanto as mais ricas interrompem a gestação com razoável segurança em clínicas privadas. O direito ou não ao aborto no Brasil, como qualquer um que não é cínico sabe, tanto quanto o direito a sobreviver ou não a ele, é uma questão de ter ou não dinheiro para fazê-lo em condições seguras. Só é assim porque barganhar com a vida das mulheres pobres, que dependem do SUS, continua sendo um esporte lucrativo, tanto nas eleições quanto nos corredores do Congresso.
Em 2013, grupos evangélicos e também católicos, como o Pró-Vida e Pró-Família, ameaçaram Dilma Rousseff com a retirada de apoio na reeleição, alegando que ela estaria, “na prática, legalizando o aborto no Brasil”. A presidente havia acabado de sancionar sem vetos a lei, aprovada pela Câmara e pelo Senado, que obriga os hospitais a prestarem atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de violência sexual. Entre outros direitos, a mulher que sofre estupro pode obter na rede pública a chamada pílula do dia seguinte, para não correr o risco de engravidar do estuprador. Era sobre isso que grupos religiosos radicais protestavam.
Na época, escrevi um artigo intitulado “O aborto e a má fé”, em que apontava para a possibilidade de que o nível da campanha de 2014 pudesse ser ainda mais baixo que o de 2010. É curioso, mas também triste, que a largada tenha sido dada por quem se apresenta como protagonista de uma “nova política”, e também como “socialista”. Novo, de fato, seria enfrentar a questão do aborto com a profundidade que o tema exige. E bem longe da simplificação de plebiscito, defendida na campanha anterior por Marina Silva (Rede), a anunciada vice de Eduardo Campos nas eleições presidenciais desse ano, que é evangélica.
Propor que o aborto seja matéria para um plebiscito é usar de má fé, ao tentar dar uma aparência democrática a um pensamento autoritário. Cabe à democracia respeitar a vontade da maioria, ao, por exemplo, eleger um presidente da República, governadores e legisladores, mas também cabe à democracia assegurar os direitos das minorias. Questões de ética privada, como o aborto e a união de pessoas do mesmo sexo, não são matérias de plebiscito. Referem-se à garantia dos direitos fundamentais de cada cidadão. Num debate político é menos importante saber o que cada candidato fará diante de uma escolha de ordem moral e privada em suas próprias vidas, do que saber claramente como vão cuidar das brasileiras que morrem porque o aborto é criminalizado no Brasil. A crença ou não crença religiosa de cada candidato só diz respeito ao eleitor se essa crença ou não crença interferir na garantia dos direitos fundamentais de quem fará escolhas diferentes no âmbito da sua vida privada. Homens ou mulheres públicos governam para assegurar os direitos fundamentais de todos – os que fariam a mesma escolha moral que eles e também os que não fariam. Ao transformar o aborto em moeda eleitoral para faturar o voto religioso, a democracia escorre para o esgoto.
Nas primeiras campanhas eleitorais após a ditadura, os candidatos costumavam evitar abordar o tema do aborto. Aos poucos, ao perceber o potencial eleitoral do crescimento dos evangélicos no Brasil, alguns oportunistas começaram a perceber que jogar o aborto na mídia e no palanque poderia ser conveniente. Tanto para conquistar o voto religioso quanto para derrubar opositores (cada vez mais raros) com escrúpulos de se tornar coroinhas de última hora. No período recente, ninguém fez isso com maior truculência do que José Serra (PSDB), na campanha eleitoral de 2010.
Para lembrar, porque é importante manter a memória viva. No final do primeiro turno de 2010, a internet e as ruas foram tomadas por uma campanha anônima, na qual se afirmava que Dilma era “abortista” e “assassina de fetos”. Dilma começou a perder votos entre os evangélicos e parte dos bispos e padres católicos exortou os fiéis a não votar nela. Serra empenhou-se em tirar proveito do ataque vindo das catacumbas, determinando o rumo da campanha dali em diante. E Dilma correu a buscar o apoio de religiosos, acabando por escrever uma carta declarando-se “pessoalmente contra o aborto”. Nela, comprometia-se, em caso de vencer a eleição, a não propor nenhuma medida para alterar a legislação sobre o tema. Logo, tanto Serra quanto Dilma despontaram no espetáculo eleitoreiro como devotos tomados por um fervor religioso até então desconhecido de quem acompanhava a sua trajetória. Serra apregoou que tinha “Deus no peito”. Dilma agradeceu “a Deus pela dupla graça” e, usando o mote dos grupos mais radicais do catolicismo, afirmou que fazia “uma campanha, antes de tudo, em defesa da vida”.
Nesse sentido, talvez a campanha de 2010 tenha sido o momento mais baixo desde a redemocratização do país. O que nela se passou escancarou as portas para todas as leviandades e recuos que vieram depois, nos temas relativos à saúde da mulher e ao respeito à diversidade sexual. Basta lembrar, entre outros, do cancelamento do kit anti-homofobia, que seria usado nas escolas públicas, e a retirada do ar do vídeo de uma campanha de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, na qual uma prostituta dizia ser “feliz”. O fato de uma mulher ser feliz e ser prostituta parece ter ferido mais a sensibilidade dos hipócritas de ocasião (e do governo) do que pessoas adoecerem ou mesmo perderem a vida por doenças evitáveis.
Os protagonistas desse rebaixamento do debate político jamais devem ser esquecidos. A coerência dos candidatos, assim como seu comportamento diante de temas espinhosos, mas de extrema importância, revelam como cada um deles vai atuar quando tiver o poder. Se a campanha eleitoral de 2014 superar a de 2010, na chantagem com temas que dizem respeito a vidas humanas – e isso num momento em que os brasileiros nas ruas exigem maior participação na política e maior responsabilidade daqueles que foram eleitos para cargos públicos – será assombroso. Quando Eduardo Campos afirma que não conhece “ninguém que seja a favor do aborto”, apenas reforça a suposição de que, em vez de uma alternativa à “velha política”, como seus marqueteiros se esforçam para difundir, ele seria mais um representante da política viciada e permeável às chantagens de ocasião.
É importante pensar por que o aborto, mais uma vez, ameaça despontar numa eleição presidencial como instrumento de barganha para o apoio e o voto religioso – e não outro dos temas morais. Por que, de novo, é do corpo da mulher que se trata. Por que, outra vez, a disputa rasteira se dá sobre a topografia feminina. O que isso oculta? O que revela? A questão talvez seja menos o aborto, mas sim em que medida a religião pode controlar, via Estado, a reprodução das mulheres – e, especialmente, a sexualidade das mulheres. A pergunta é por que, ainda hoje, no século 21, é tão crucial manter o controle sobre o corpo feminino.
Parece que a visão medieval que localiza no corpo das mulheres a morada de todos os perigos continua atual. Inclusive para políticos em campanha. Enquanto isso, mulheres reais morrem porque, quem tem o dever de debater e promover políticas públicas para assegurar seus direitos fundamentais, chantageia com suas vidas. Cabe a cada cidadão impedir que a eleição de 2014 se torne uma trágica repetição da indignidade testemunhada em 2010, na qual votos foram negociados sobre cadáveres femininos.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Email:elianebrum.coluna@gmail.com. Twitter: @brumelianebrum
(Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/28/opinion/1398692471_063651.html)
Saúde: ainda há muito o que fazer (Walter Feldman)
Saúde é um tema recorrente, conhecido, parametrizado e acumulado nas experiências positivas e negativas. Nesta área, muito se sabe e muito se fez.
O SUS é um modelo próximo do perfeito, do ponto de vista conceitual e legal. É sustentável, hierarquizado, gratuito, universal e com garantida participação popular. Com o público e o privado supervisionado e regulado, além do inegável papel das filantrópicas, particularmente das Santas Casas, temos um arcabouço próprio de um país disposto a se consolidar como referência internacional.
Avançamos muito. Porém, insuficiente no financiamento do modelo, com percentuais determinados nos orçamentos estaduais e municipais e ainda não definida, com demora inexplicável da União, no sentido de encerrar a votação da emenda 29.
Por que então ainda somos um barco à deriva, com furos no casco, remendos frágeis e casuísticos, movidos por interesses conjunturais com foco na tática eleitoral?
Teríamos, teórica e praticamente, condições para nos transformarmos em paradigma internacional. Não aconteceu! Pelo contrário: população insatisfeita, muitas vezes indignada, a ponto de colocar a saúde reiteradamente como tema prioritário nas suas queixas e demandas.
Nosso corpo de profissionais, insatisfeito, luta por dignidade profissional e reconhecimento salarial para cumprir sua insubstituível tarefa.
Há solução?
Uma Política Pública que priorizasse inicialmente a promoção e a prevenção, com programas nacionais integrados com estados e municípios, poderia, por si só, já dar um salto qualitativo e quantitativo nos resultados de morbidade e mortalidade. Uma população sedentária e com sobrepeso não condiz com um país tropical, ensolarado e “abençoado por Deus”, como diria Jorge Bem Jor.
Superada a endêmica desnutrição relatada por Josué de Castro, estamos prontos para buscar, nesta curva social, a qualidade de vida possível, se assim fosse fundamental para nossos governantes que se revezam, nos últimos anos, na repetição de erros, mergulhados nos seus interesses políticos e eleitorais.
Isto gera baixa qualidade na gestão do sistema e ralos nos controles de gastos, desidratando nosso ainda precário investimento no setor.
A hierarquização da pirâmide que deveria priorizar a atenção primária se desvirtuou em programas que não se falam, não se ampliam e estimulam ainda mais uma visão “hospitalocêntrica”, concentradora de filas de espera e macas em corredores num círculo vicioso de logística mal produzida.
Interesses maiores de fabricantes ou fornecedores muitas vezes dão o tom de uma medicina desproporcionalmente instalada no território nacional, com ilhas de excelência e extensas áreas de carências… superáveis, se planejamento estratégico, seriedade, gestão, integração, reconhecimento profissional e ética fossem os valores inspiradores de um sistema de saúde, no qual o ser humano estivesse no palco central.
Tudo isto o Povo Brasileiro merece e pode conquistar!
(Disponível em: http://redesustentabilidade.org.br/saude-ainda-ha-muito-o-que-fazer-por-walter-feldman/)
O SUS é um modelo próximo do perfeito, do ponto de vista conceitual e legal. É sustentável, hierarquizado, gratuito, universal e com garantida participação popular. Com o público e o privado supervisionado e regulado, além do inegável papel das filantrópicas, particularmente das Santas Casas, temos um arcabouço próprio de um país disposto a se consolidar como referência internacional.
Avançamos muito. Porém, insuficiente no financiamento do modelo, com percentuais determinados nos orçamentos estaduais e municipais e ainda não definida, com demora inexplicável da União, no sentido de encerrar a votação da emenda 29.
Por que então ainda somos um barco à deriva, com furos no casco, remendos frágeis e casuísticos, movidos por interesses conjunturais com foco na tática eleitoral?
Teríamos, teórica e praticamente, condições para nos transformarmos em paradigma internacional. Não aconteceu! Pelo contrário: população insatisfeita, muitas vezes indignada, a ponto de colocar a saúde reiteradamente como tema prioritário nas suas queixas e demandas.
Nosso corpo de profissionais, insatisfeito, luta por dignidade profissional e reconhecimento salarial para cumprir sua insubstituível tarefa.
Há solução?
Uma Política Pública que priorizasse inicialmente a promoção e a prevenção, com programas nacionais integrados com estados e municípios, poderia, por si só, já dar um salto qualitativo e quantitativo nos resultados de morbidade e mortalidade. Uma população sedentária e com sobrepeso não condiz com um país tropical, ensolarado e “abençoado por Deus”, como diria Jorge Bem Jor.
Superada a endêmica desnutrição relatada por Josué de Castro, estamos prontos para buscar, nesta curva social, a qualidade de vida possível, se assim fosse fundamental para nossos governantes que se revezam, nos últimos anos, na repetição de erros, mergulhados nos seus interesses políticos e eleitorais.
Isto gera baixa qualidade na gestão do sistema e ralos nos controles de gastos, desidratando nosso ainda precário investimento no setor.
A hierarquização da pirâmide que deveria priorizar a atenção primária se desvirtuou em programas que não se falam, não se ampliam e estimulam ainda mais uma visão “hospitalocêntrica”, concentradora de filas de espera e macas em corredores num círculo vicioso de logística mal produzida.
Interesses maiores de fabricantes ou fornecedores muitas vezes dão o tom de uma medicina desproporcionalmente instalada no território nacional, com ilhas de excelência e extensas áreas de carências… superáveis, se planejamento estratégico, seriedade, gestão, integração, reconhecimento profissional e ética fossem os valores inspiradores de um sistema de saúde, no qual o ser humano estivesse no palco central.
Tudo isto o Povo Brasileiro merece e pode conquistar!
(Disponível em: http://redesustentabilidade.org.br/saude-ainda-ha-muito-o-que-fazer-por-walter-feldman/)
A farsa do racismo “suave” (Douglas Belchior)

Muito mais que vulgaridade publicitária, difusão do “todos somos macacos” revela tentativa de minimizar peso da discriminação racial
Por Douglas Belchior, em seu blog
A foto da esquerda todo mundo viu. É o craque Neymar com seu filho no colo e duas bananas, em apoio a Daniel Alves e em repulsa ao racismo no mundo do futebol.
Já a foto à direita, é do pigmeu Ota Benga, que ficou em exibição junto a macacos no zoológico do Bronx, Nova York, em 1906. Ota foi levado do Congo para Nova York e sua exibição em um zoológico americano serviu como um exemplo do que os cientistas da época proclamaram ser uma raça evolucionária inferior ao ser humano. A história de Ota serviu para inflamar crenças sobre a supremacia racial ariana defendida por Hitler. Sua história é contada no documentário The Human Zoo.
A comparação entre negros e macacos é racista em sua essência. No entanto muitos não compreendem a gravidade da utilização da figura do macaco como uma ofensa, um insulto aos negros.
Encontrei essa forte história num artigo sensacional que li dia desses, e que também trazia reflexões de James Bradley, professor de História da Medicina na Universidade de Melbourne, na Austrália. Ele escreveu um texto com o título “O macaco como insulto: uma curta história de uma ideia racista”. Termina o artigo dizendo que “O sistema educacional não faz o suficiente para nos educar sobre a ciência ou a história do ser humano, porque se o fizesse, nós viveríamos o desaparecimento do uso do macaco como insulto.”
Não, querido Neymar. Não somos todos macacos. Ao menos não para efeito de fazer uso dessa expressão ou ideia como ferramenta de combate ao racismo.
Mas é bom separar: Uma coisa é a reação de Daniel Alves ao comer a banana jogada ao campo, num evidente e corriqueiro ato racista por parte da torcida; outra coisa é a campanha de apoio a Daniel e de denúncia ao racismo, promovida por Neymar.
No Brasil, a maioria dos jogadores de futebol advém de camadas mais pobres. Embora isso esteja mudando – porque o futebol mudou –, ainda é assim. Dentre esses, a maioria dos que atingem grande sucesso são negros. Por buscarem o sonho de vencer na carreira desde cedo, pouco estudam. Os “fora de série” são descobertos cada vez mais cedo e depois de alçados à condição de estrelas vivem um mundo à parte, numa bolha. Poucos foram ou são aqueles que conseguem combinar genialidade esportiva e alguma coisa na cabeça. E quando o assunto é racismo, a tendência é piorar.
E Daniel comeu a banana! Ironia? Forma de protesto? Inteligência? Ora, ele mesmo respondeu na entrevista seguida ao jogo:
“Tem que ser assim! Não vamos mudar. Há 11 anos convivo com a mesma coisa na Espanha. Temos que rir desses retardados.”
É uma postura. Não há o que interpretar. Ele elaborou uma reação objetiva ao racismo: Vamos ignorar e rir!
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Há um provérbio africano que diz: “Cada um vê o sol do meio dia a partir da janela de sua casa”. Do lugar de onde Daniel fala, do estrelato esportivo, dos ganhos milionários, da vida feita na Europa, da titularidade na seleção brasileira de futebol, para ele, isso é o melhor – e mais confortável, a se fazer: ignorar e rir. Vamos fazer piada! Vamos olhar para esses idiotas racistas e dizer: sou rico, seu babaca! Sou famoso! Tenho cinco Ferraris, idiota! Pode jogar bananas à vontade!
O racismo os incomoda. E os atinge. Mas de que maneira? Afinal, são ricos! E há quem diga que “enriqueceu, tá resolvido” ou que “problema é de classe”! O elemento econômico suaviza o efeito do racismo, mas não o anula. Nesse sentido, os racistas e as bananas prestam um serviço. Lembram a esses meninos que eles são negros e que o dinheiro e a fama não os tornam brancos!
Daniel Alves, Neymar, Dante, Balotelli e outros tantos jogadores de alto nível e salários pouca chance terão de ser confundidos com um assaltante e de ficar presos alguns dias como no caso do ator Vinícius; pouco provavelmente serão desaparecidos, depois de torturados e mortos, como foi Amarildo; nada indica que possam ter seus corpos arrastados por um carro da polícia como foi Cláudia ou ainda, não terão que correr da polícia e acabar sem vida com seus corpos jogados em uma creche qualquer. Apesar das bananas, dificilmente serão tratados como animais, ao buscarem vida digna como refugiados em algum país cordial, de franca democracia racial, assim como as centenas de haitianos o fazem no Acre e em São Paulo.
O racismo não os atinge dessa maneira. Mas os atinge. E sua reação é proporcional. Cabe a nós dizer que sua reação não nos serve! Não será possível para nós, negras e negros brasileiros e de todo o mundo, que não tivemos o talento (ou sorte?) para o estrelato, comer a banana de dinamite, ou chupar as balas dos fuzis, ou descascar a bainha das facas. Cabe a nós parafrasear Daniel, na invertida: “Não tem que ser assim! Nós precisamos mudar! Convivemos há 500 anos com a mesma coisa no Brasil. Temos que acabar com esses racistas retardados, especialmente os de farda e gravata”.
Quanto a Neymar, ele é bom de bola. E como quase todo gênio da bola, superacumula inteligência na ponta dos pés. Pousa com seu filho louro, sem saber que por ser louro, mesmo que se pendure num cacho de bananas, jamais será chamado de macaco. A ofensa, nesse caso, não fará sentido. Mas pensemos: sua maneira de rechaçar o racismo foi uma jogada de marketing ou apenas boa vontade? Seja o que for, não nos serve.
Sou negro, nascido em um país onde a violência e a pobreza são pressupostos para a vida da maior parte da população, que é negra. Querido Neymar – mas não: Luciano Hulk, Angélica, Reinaldo Azevedo, Aécio Neves, Dilma Rousseff, artistas e a imprensa que, de maneira geral, exaltou o “devorar da banana” e agora compartilham fotos empunhando a saborosa fruta, neste país, assim como em todo o mundo, a comparação de uma pessoa negra a um macaco é algo culturalmente ofensivo.
Eu como negro, não admito. Banana não é arma e tampouco serve como símbolo de luta contra o racismo. Ao contrário, o reafirma na medida em que relaciona o alvo a um macaco e principalmente na medida em que simplifica, desqualifica e pior, humoriza o debate sobre racismo no Brasil e no mundo.
O racismo é algo muito sério. Vivemos no Brasil uma escalada assombrosa da violência racista. Esse tipo de postura e reação despolitizadas e alienantes de esportistas, artistas, formadores de opinião e governantes tem um objetivo certo: escamotear seu real significado do racismo que gera desde bananas em campo de futebol até o genocídio negro que continua em todo o mundo.
Eu adoro banana. Aqui em casa nunca falta. E acho os macacos bichos incríveis, inteligentes e fortes. Adoro o filme Planeta dos Macacos e sempre que assisto, especialmente o primeiro, imagino o quanto os seres humanos merecem castigo parecido. Viemos deles e a história da evolução da espécie é linda. Mas se é para associar a origens, por que não dizer que #SomosTodosNegros? Porque não dizer #SomosTodosDeÁfrica? Porque não lembrar que é de África que viemos, todos e de todas as cores? E que por isso o racismo, em todas as suas formas, é uma estupidez incompatível com a própria evolução humana? E, se somos, por que nos tratamos assim?
Mas não. E seguem vocês, “olhando pra cá, curiosos, é lógico. Não, não é não, não é o zoológico”.
Portanto, nada de bananas, nada de macacos, por favor!
(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17281)
Queremos a volta dos trens brasileiros! (Raquel Rolnik)

Feriados voltam a escancarar irracionalidade social e ambiental do automóvel. Caos exige reabrir um debate: até quando país adiará reconstrução de sua malha ferroviária?
Por Raquel Rolnik, em seu blog
Mais uma vez, a volta de um feriado — o de Páscoa — exigiu muita paciência dos paulistanos. Muita gente ficou horas parada no trânsito para conseguir voltar pra casa. Um amigo levou 10 horas para fazer um trajeto entre o litoral e a capital que normalmente dura 3 horas. Imagine só… você passa quatro dias descansando, mas chega em casa totalmente estressado depois desta agradabilíssima viagem de volta…
Já está mais do que claro que duplicação de rodovias, construção de novas pistas, túneis e viadutos não resolvem esse problema. Além de não darem conta da demanda – que só aumenta à medida que se abre mais espaço para veículos passarem –, as consequências ambientais são sempre grandes e raramente mitigáveis. Destruímos serras para chegar mais rápido e usufruir… das próprias serras…
Antigamente era possível ir de trem até Santos e até mesmo para o Guarujá. Lembro que íamos de trem para o Rio, para Minas e para todo o interior de São Paulo. É inacreditável que hoje, com tantos recursos e tecnologias disponíveis, não exista essa alternativa.
Além de ficarmos engavetados em viagens intermináveis, nossos carros entopem as belas praias, montanhas e cidades históricas que vamos visitar. Na maior parte delas, aliás, não há a menor necessidade de uso do carro. É possível resolver tudo a pé ou de bicicleta, ou usar transportes locais, minimizando o enorme impacto ambiental que essa imensa quantidade de veículos causa a pequenas vilas e cidades.
Precisamos urgentemente de um trem que ligue a metrópole ao litoral e ao interior.
No ano passado, o Governo do Estado anunciou a construção de uma linha de trem de média velocidade – 120 km por hora – para fazer essa ligação. O projeto – chamado de Trem Intercidades – prevê 430 km de malha ferroviária.
De acordo com o que foi divulgado pela imprensa, esse trem ligaria a capital a Campinas, Americana, Jundiaí, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Sorocaba, São Roque, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba. A publicação do edital para concorrência pública para empresas interessadas em entrar no projeto, via parceria público-privada, foi prometida para este ano, mas até agora nada…
Já imaginaram? Poder viajar tranquilamente, com conforto e hora marcada pra sair e pra chegar, preservando nossas praias e nossas cidades dos danos causados pelos carros?
Queremos um trem para o litoral e interior já!
(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17244)
Educação: o desafio da transexualidade (Márcia Acioli)

Escolas e professores seguem pouco preparados para lidar com sexo. Incompreensão e preconceitos religiosos ampliam violência e sofrimentos. Programa pioneiro enfrenta problema
Por Márcia Acioli
A escola brasileira tem sido convocada a contribuir para o enfrentamento a diversas formas de violação de direitos. Organizações da sociedade civil cobram da escola educação em direitos humanos, acreditando, com isso, fortalecer a capacidade de fala e de participação de estudantes na conquista de direitos, e por consequência, a criação de clima favorável ao acolhimento de todos os perfis de estudantes que nela ingressam. O propósito é assegurar educação de qualidade mudando o panorama de violência, seja pelo fortalecimento dos sujeitos, seja pelo diálogo que a escola faz com a sua comunidade. Temas como trabalho infantil, exploração sexual, Estatuto da Criança e do Adolescente e diversidade entram na pauta das escolas como proposta das políticas de educação federal, estaduais, municipais e distrital.
Quando o assunto é sexo e sexualidade os desafios são maiores e os/as profissionais da educação nem sempre estão preparados/as. Raras vezes as escolas incorporam no seu dia a dia o trato com questões referentes à sexualidade ou identidade de gênero.
Mesmo na universidade a situação é difícil. Segundo Marcelo Caetano “o semestre passado (2012) foi o semestre que eu tive mais problemas com os professores em relação a isso, eu fiz sete matérias, eu tive que trancar seis, porque os professores não aceitavam [o nome social].” Revista Descolad@s, Inesc 2013.
Francisco (nome fictício), adolescente de 16 anos estuda no Distrito Federal. Seus amigos não sabem que ele nasceu com sexo feminino. Com muito respeito, seus professores o tratam pelo nome masculino. Assim mesmo ele tem muito medo de ser descoberto pelos colegas.
Já a adolescente Ana Luiza (estudante de escola particular em Fortaleza), sofreu constrangimentos por ocasião de sua identificação na prova do ENEM. Ao receber total apoio da família se fortalece para seguir seus estudos. Diferente de uma amiga que, expulsa de casa, encontrou na prostituição a única oportunidade para a sua sobrevivência.
Portanto, é impensável a escola se esquivar da responsabilidade perante temas de tamanha importância que tanto afetam estudantes quanto profissionais e familiares. A transexualidade (falta de sintonia entre o corpo biológico e a identidade de gênero) ficou abafada por muito tempo e muitas pessoas permanecem sofrendo em suas respectivas solidões. A transexualidade ainda é percebida como aberração; no mínimo, uma patologia. São ideias equivocadas, vastamente desmentidas pela comunidade acadêmica tanto das áreas de saúde, quanto humanidades.
O 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica elaborado pela coordenação de Promoção dos Direitos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros) da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República revela que de 2011 para 2012 há um aumento significativo de violência contra a população LGBT, sendo que o Distrito Federal lidera o ranking. Os jovens de 15 a 29 anos representam 61% das pessoas afetadas pela violência homofóbica, de onde se conclui que a maior parte ainda está na escola; provavelmente no Ensino Médio.
Diante deste cenário, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco — e o ministério da Educação incorporaram a preocupação com as diversidades na escola. No entanto, é muito difícil emplacar o tema da transexualidade numa realidade repleta de pessoas conservadoras. Um dos maiores problemas é a relação promíscua entre religião e escola, a despeito o fato de o Brasil ser um estado laico. Os materiais produzidos pelo projeto Escola sem Homofobia, por exemplo, foram condenados à fogueira pelos fundamentalistas de plantão.
O grau de preconceito e de discriminação que vivem as pessoas transgênero, transexuais e travestis as leva a esconder seus sentimentos, suas identidades ou a evadir da escola. Como aponta Berenice Bento, as pessoas trans “sofrem evasão escolar” por meio de tecnologias cotidianas de exclusão. Seja pela violência transfóbica ou homofóbica, seja pela inadequação do trato pedagógico estudantes experimentam um massacre diário para sobreviverem à escola.
Propostas da Conferência Nacional de Educação Básica em relação à diversidade sexual são simples e viáveis como: evitar discriminações de gênero e diversidade sexual em livros didáticos; ter programas de formação em sexualidade e diversidade; promover a cultura do reconhecimento da diversidade de gênero, identidade de gênero e orientação sexual no cotidiano escolar; evitar o uso de linguagem sexista, homofóbica e discriminatória em material didático-pedagógico; inserir os estudos de gênero e diversidade sexual no currículo das licenciaturas.
O projeto Eu te desafio a me amar é um convite amoroso para o aprofundamento no tema com uma abordagem delicada e séria. O projeto, que consta de uma extensa programação, propõe pautar o tema pelo olhar sensível e estético da fotógrafa Diana Blok e convida adolescentes do Ensino Médio de Brasília e professores de todas as modalidades de ensino a debaterem sexualidade e identidade de gênero a partir do vídeo da mesma autora.
Enfim, a vida escolar é decisiva para a formação e o desenvolvimento da criança e pode se dar em ambiente estimulante, tedioso ou excludente. Portanto, se a escola deseja ocupar seu lugar privilegiado na promoção de cidadania de crianças e adolescentes, não pode ignorar nenhum público. Precisa acolher, incluir e garantir o desenvolvimento pleno de todos os meninos e de todas as meninas, inclusive de todos os meninos que nasceram meninas e de todas as meninas que nasceram meninos e de todos os meninos e meninas que flutuam em busca de suas identidades e jeitos de caminhar na vida.
(Disponível em: http://outraspalavras.net/brasil/educacao-o-desafio-da-transexualidade/)
CPI: quem pretende investigar a Petrobras?

Apurar irregularidades é justo. Mas busca rápida no Google revelará que grande maioria dos parlamentares não tem idoneidade moral para fazê-lo
Por Bob Fernandes, em seu blog
A Petrobras está sendo investigada pela Polícia Federal, Tribunal de Contas, pela Controladoria Geral da União e Ministério público. Se o congresso aprovar, será investigada também em CPI.
CPI é da democracia. Faça-se. Que problemas a CPI traz para governo, oposição, para a própria investigação?
Nenhum governo quer CPI contra. Num gigante como a Petrobras, com negócios de bilhões, não há como não encontrar alguma negociação suspeita, ou negociata.
Por que o governo não quer? Ou quer, ao mesmo tempo, investigar trens e metrô do PSDB em São Paulo? E ainda o porto de Suape, no Pernambuco de Eduardo Campos?
O governo não quer CPI porque sabe que há, sempre há, ao menos algum malfeito. E por saber que a CPI será palanque midiático para a oposição até a eleição.
No chamado “mensalão do PT”, manchetes por anos e transmissão ao vivo por meses. No chamado “mensalão do PSDB”, o que há? A descida do processo para Minas. E silêncio.
Dilma não quer CPI, assim como Geraldo Alckmin não quer CPI. O caso metrô/trens, de meio bilhão, se arrasta há dez anos. E o PSDB teve e tem maioria na Assembleia.
Se fuçarem Suape, ou qualquer grande obra no Brasil, encontrarão alguma maracutaia. Mas, notem: quando se chega aos corruptores o assunto morre, ou dorme na Justiça.
CPI dos Precatórios? Acabou ao chegar em enorme banco. Castelo de Areia? Morreu na praia. Satiagraha? Assombrou o Brasil grande e foi anestesiada no Supremo Tribunal Federal.
Delta & Cachoeira. Como todos sabiam sobre todos, ninguém pagou nada. Só o senador Demóstenes Torres, do DEM, arauto e vestal da oposição.
Como terminou o escândalo dos anos PC/Collor? Mais de 400 empresas e 110 empresários indiciados. Tudo prescreveu. Só PC Farias foi preso. E por sonegação, como Al Capone.
O que vimos nas sessões do Congresso que ouviram Graça Foster, presidenta da Petrobras, e o ex-diretor Nestor Cerveró
Com raras exceções, parlamentares totalmente despreparados, lendo perguntas feitas pelos assessores. E quase só isso.
À parte exceções, um palco para atuações histriônicas. Com veemência proporcional ao desconhecimento sobre o assunto em questão.
Veemência que não resiste à biografia de vários dos veementes.
CPI é instrumento da democracia, e deve ser feita. Mas, antes, talvez seja útil uma varredura na Justiça. Com uma pergunta sobre integrantes da CPI:
- O parlamentar responde a processos? Quantos? E por quais motivos
Assim se evitaria mais uma farsa. Em alguns casos, é até mais simples. Basta ir ao Google e dar dois cliques com o nome do parlamentar. Para alguns, basta um clique.
O amigo, a amiga que fizer essa experiência não se surpreenderá.
(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17203)
Eleições-2014: é possível uma pauta feminista? (Marilia Moschkovich)

Dez questões incômodas, que você pode dirigir a candidatos e candidatas, em busca de uma disputa menos conservadora
Por Marília Moschkovich, na coluna Mulher Alternativa
Então, parece que está dada a largada: a declaração do presidenciável Eduardo Campos sobre o aborto inaugura o show de horrores que assistiremos (de camarote, com bebida que pisca) durante as eleições de 2014. Se as questões de direitos humanos, em geral, costumam ser rifadas na lógica insana da disputa eleitoral, os assuntos especificamente ligados aos direitos das mulheres parecem ter cacife zero. Desde que temos figuras femininas com força na corrida, em 2010, então, isso tem sido uma constante. O fato de termos uma presidenta mulher, pelo jeito, tampouco ameniza esses ataques.
Do ponto de vista da militância feminista, o governo Dilma tem sido uma grande decepção no que tange os direitos sexuais e reprodutivos mas também em relação às políticas para mulheres. A decepção vem por uma série de pressões feitas pelo gabinete da Presidência respectiva secretaria de Politicas para as Mulheres (SPM), por alguns programas que contradizem princípios básicos do feminismo (como o tal Cegonha-qualquer-coisa) mas também pela absoluta falta de diálogo com a militância que desempenhou um papel importante na eleição da presidenta. Ao mesmo tempo em que, durante a campanha de 2010, percebemos que enfrentaríamos uma batalha após as eleições (sobretudo quando a fatídica questão sobre o aborto foi pautada), imaginamos que haveria pelo menos condições de disputar esses pontos. Na maior parte das vezes, nos últimos quatro anos, não houve. O fechamento do debate é grave e decepciona profundamente.
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Isso não impede, porém, que um segundo mandato de Dilma seja diferente e atenda a esse tipo de expectativa de maneira mais satisfatória. Vai de cada um e de cada uma de nós decidir o quanto acredita nessa possibilidade. As demais candidaturas também mostram, no discurso e nas práticas de seus partidos, a maneira como provavelmente abordam esses temas. Cabe a nós saber olhar bem para esse ponto específico das plataformas e debates, e conseguirmos avaliar o quanto as respostas dos candidatos e candidatas a nossas reivindicações nos satisfazem. Pensando nisso, elaborei uma listinha de dez perguntas-armadilha que podem ajudar a construir um pequeno mapa de como cada presidenciável ou candidato ao legislativo de seu interesse trata as principais pautas feministas na política.
1) Seu partido já foi presidido por uma mulher? Quantas vezes?
2) Você defende a aprovação da lei Gabriela Leite, que regulamenta o trabalho sexual, mesmo que seus termos possam ser revistos depois?
3) No caso de uma reforma política que use o sistema de listas fechadas para nossas eleições, você é a favor da alternância de gênero sistemática na lista de seu partido? E dos outros?
4) No contexto das políticas ligadas à saúde pública, o aborto deve ser legalizado, seguro e acessível para mulheres que não correm risco de morte na gravidez/parto nem foram estupradas, ainda que haja algum tipo de prazo-limite para que seja realizado?
5) É possível combater as diferenças salariais entre homens e mulheres que ocupam um mesmo cargo profissional, com exigências e horas de trabalho iguais?
6) Você é a favor de igualar os tempos de licença-maternidade e licença-paternidade?
7) Na sua opinião, é correto o Estado decidir como, quando e onde uma mulher grávida vai parir (como no caso Adelir, por exemplo), em alguma circunstância?
8) Você acha que os assédios no transporte público acontecem por que algumas mulheres se vestem de maneira inapropriada ao frequentarem esses espaços?
9) Nos trotes de faculdade e nas festas universitárias, quando as jovens denunciam abusos, seria uma boa solução que elas simplesmente não se envolvessem nesse tipo de atividade, no seu ponto de vista?
10) Para você, deveria haver uma ação do Estado regulamentando e punindo campanhas publicitárias e outros materiais de mídia que ferem princípios de direitos humanos assegurados na nossa Constituição?
(Disponível em: http://outraspalavras.net/posts/eleicoes-2014-e-possivel-uma-pauta-feminista/)
quarta-feira, 23 de abril de 2014
Gata, eu quero ver você parindo! (Ligia Moreiras Sena)
Aviso 1: Contém inúmeras vezes a palavra "vagina".
Aviso 2: Contém fotos de cicatrizes. Seja forte. Coragem.
Então, quando abro a rede social e dou de cara com umavagina parindo, sinto uma puta alegria. Quando, nos grupos maternos, alguém posta a foto do nascimento ou escreve: "Eu pari!", é como se uma pequena dose do antídoto necessário pra dar conta do tranco de estudar a violência no parto me fosse dada.
Li o texto da Tati Bernardi publicado na Folha de São Paulo com o título de "Gata, eu não quero ver a sua xota" e depois vi uma foto em que ela aparecia abraçada em um pênis de pelúcia (escrever "pênis de pelúcia" me dá uma super vontade de rir, acho que é a sonoridade da expressão). A primeira coisa que pensei, assim de cara, foi: "Caraca... Qual será o problema dela com a vagina, gente?!".
Aviso 2: Contém fotos de cicatrizes. Seja forte. Coragem.
"Então eu olhei aquela foto, aquela mãe com um bebê saindo de sua vagina, feliz, radiante, olhos arregalados, boca aberta, pai eufórico, parteira amparando, mãe segurando as costas do bebê em nascimento, e pensei: 'Tem alguma coisa errada... Por que eu tenho dois filhos e nunca imaginei que isso seria possível? Por que eu não sabia que parto não precisava ser daquele jeito azul, branco, frio?"
"Cheguei na casa da minha vizinha pra levar uns livros que ela tinha me emprestado. A filha dela de 16 anos estava assistindo um parto no Youtube! Um parto parto mesmo, mulher gemendo, pernas abertas, vagina à mostra. Choquei. Eu nunca tinha visto um parto na vida! Fiquei meio sem jeito... e achei estranho estar sem jeito. Por que eu estava sem jeito de ver uma mulher dando à luz pela vagina? Eu não tenho filho nem vou ter, mas era só uma vagina, uma mulher em diferentes posições mas uma vagina. Pedi pra menina se eu podia ver também, ela disse que sim, fiquei por ali. Aí nasce o bebê... Eu não sei como nem porquê, mas fiquei emocionada. Eu nunca tinha visto um bebê sair pela vagina, nem a reação de uma mulher num nascimento daquele. Comecei a chorar. Senti uma alegria... Foi aí que comecei a ler sobre parto, caí no seu blog, caí na blogosfera partolesca, curto muito. Minha cunhada engravidou e tenho muito orgulho de ter sido eu a orientá-la durante a gestação, porque ninguém na minha família conhecia essas coisas. Nasceu num super parto lindo, com meu irmão e eu do lado. 'Parto vaginal', eu sempre conto, porque aprendi a importância disso".
"Foi de tanto ver foto de parto bonito que percebi que tinha sofrido uma violência irreparável".
"Minha filha tem 8 anos e adora ver vídeo de parto comigo. A gente faz "Óinnn" quando o bebê chega, a gente se abraça, é lindo. Quero mostrar pra ela que parto faz parte da vida, é natural, ao contrário do que foi comigo".
"Durante a gestação dela, quando a gente contava que eu estaria junto, que iria ver meu filho nascer, que iria ajudá-la no trabalho de parto, todo mundo da família me repreendia, dizendo que era ruim, que eu não veria minha esposa mais da mesma maneira, que as partes íntimas dela estariam diferentes, enfim. Perguntavam como eu tinha coragem, que grande parte dos homens desmaiava, ou não aguentava e saía. Realmente, na minha família, quase todos os homens passaram mal nos nascimentos dos filhos, mas porque ver cesárea deve mesmo ser foda. E todo mundo teve bebê por cesárea na minha família. Não, minhas avós não, mas o pessoal novo, todo mundo. Imagina! Cortar 7 camadas de tecido, músculo, sei lá mais o que, sangue, ponto, deve ser difícil. Mas não era o nosso caso, já que o Igor ia nascer naturalmente, por via vaginal. E eu fiquei, ajudei e tal. Só não ajudei mais porque chorei que nem menino pequeno. O Igor saindo e eu chorando de alegria. Minha esposa contou depois que eu apertei tanto os joelhos dela que ela até desconcentrou da dor do expulsivo, rsrsrs. E vi meu filho sair da vagina da minha mulher. Eu realmente nunca mais a vi como antes... Sempre tive muita admiração por ela. Ter visto meu filho nascer, ali, na dura, na real, me fez olhar com ainda mais admiração, com quase reverência. Tava ali uma coisa que eu não sabia fazer e nunca saberia, e ela fazia como se sempre tivesse feito: deixar meu filho sair. Que mulher, eu pensava. Num segundo estava dizendo que doía e no outro, tendo o filho parido no braço, estava rindo às gargalhadas. Dá até uma coisa contando..."
Infelizmente, por conta do meu trabalho/pesquisa atual, vejo/leio muito mais sobre partos trash repletos de violências terríveis e sobre cesarianas desnecessárias, em tom de revanche médica e repleta de tecnologia fria e impessoal, do que eu gostaria. Vejo fotos de mulheres amarradas à maca, ou inconscientes no exato momento do nascimento do filho, ou com o bebê no braço e um choro de quem se viu violentada. Tudo isso no momento que era para ser de extrema beleza, alegria, êxtase.
Vejo e leio relatos infindáveis da mais genuína dor, de mulheres que foram enganadas, humilhadas, xingadas, ludibriadas e que perderam o parto do próprio filho e que hoje carregam cicatrizes físicas e emocionais que não foram frutos de uma escolha.

Por tudo isso, tenho a exata noção das coisas: sei exatamente qual dessas circunstâncias - parto violento x vaginaparindo com moça sorrindo - representa a visão do inferno, e não é a segunda alternativa. Nunca pensei na vagina como uma visão do inferno... Por que eu pensaria isso sobre a minha própria vagina, uai?! Gosto dela. Tenho carinho por ela. Somos amigas, puxa vida. Amigas muito íntimas. E entendo a amizade das outras mulheres com as próprias vaginas. A vagina alheia não é uma inimiga para mim. E seria ótimo se todo mundo vivesse essa love story vaginal. Talvez houvesse muito mais respeito por aí. Além, claro, de evitar coisas como isso que aconteceu, de chegarmos ao ponto de alguém publicar, num jornal de grande circulação, aos quatro ventos, o seu ódio pela vagina alheia.

Aí fui ler o texto de novo.
E ela não usa a palavra VAGINA uma única vez!
Usa: xota; xoxota; xuranha; prexeca sofrida; ximbica e xereca.
Zero vagina.
Vagina zero (parece até o nome de um movimento... Imagina: '''Vagina Zero - Movimento de Valorização da Direita no Brasil").
Então eu vim aqui apenas para fazer um pedido: GATAS, EU QUERO VER VOCÊS PARINDO!
Tá, eu sei que não sou ninguém, não publico em jornal de grande circulação e tal. Mas por favor, gatas, eu quero ver vocês parindo!
Não liguem para a Tati Bernardi. Alguma coisa lá não tá legal. Compaixão, minha gente!
Muita gente que está hoje na luta pela humanização do parto - alheio ou próprio, vagina sua ou vagina
alheia - está nessa justamente por um dia ter visto uma foto de parto, um vídeo de parto, onde - olha que surpresa! - tinha umavagina parindo. Como as pessoas dos relatos que abrem esse texto. Não é surpreendente que encontremos vaginas em partos ainda hoje?! Muito surpreendente. Principalmente em um país onde os hospitais (aqueles lá mesmo que ela mencionou, os que "poderiam estar num guia de hotéis três estrelas de Miami. Quanto mais brega, mais eu confio: com salão de beleza e "concerto de piano" na recepção") batem os 98% de cesarianas.
alheia - está nessa justamente por um dia ter visto uma foto de parto, um vídeo de parto, onde - olha que surpresa! - tinha umavagina parindo. Como as pessoas dos relatos que abrem esse texto. Não é surpreendente que encontremos vaginas em partos ainda hoje?! Muito surpreendente. Principalmente em um país onde os hospitais (aqueles lá mesmo que ela mencionou, os que "poderiam estar num guia de hotéis três estrelas de Miami. Quanto mais brega, mais eu confio: com salão de beleza e "concerto de piano" na recepção") batem os 98% de cesarianas.
Ver um parto vaginal é, mesmo, um evento em extinção. E eu, como bióloga que sou, tenho uma queda por salvar o que está em extinção.
Então, repito: gatas, não escondam suas vaginas parindo! Nós queremos ver!
Postem suas fotos, subam seus vídeos, mostrem seus partos!
Marquem o tio Miltinho de Passos de Itu! Deem um print na alegria que a vó Carminha de Serra Negra manifestou na timeline dela por ver que você deu a luz como ela!
Libertem suas vaginas paridas!
E, moça, você que é uma escritora pop, por favor: deixe em paz a vagina alheia! Ela não te fez nada...
Ah, sim. Antes de finalizar. Ver vaginas parindo na rede social, em um país tão moralista quanto o nosso, de mentalidade tão misógina, onde mulheres são constrangidas por amamentar em público, onde dar à luz naturalmente é ainda, muito infelizmente, um privilégio, é um grande avanço. Mostra que - sim! - estamos no caminho certo. Principalmente quando lembramos que cada foto de vagina parindo que vemos é uma cicatriz a menos. Especialmente aquelas que não foram desejadas.
Disponível em: http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2014/04/gata-eu-quero-ver-voce-parindo.html
domingo, 20 de abril de 2014
São Paulo, Zona Sul: onde a Tarifa Zero já existe (Débora Lopes)

Em Marsilac, bairro quase rural, população articula, com apoio do Movimento Passe Livre, micro-experiência de acesso gratuito ao transporte público
Por Débora Lopes | Fotos Felipe Larozza, na Vice
O taxímetro acusava uma fortuna de três dígitos quando chegamos em Marsilac, o bairro mais afastado do marco zero de São Paulo. Celular sem sinal, chão de terra batida, gado, linha de trem, bares deslocados, cães de estrada. O extremo sul da cidade é ermo e bucólico — parece interior. Mas a rotina de quem mora lá e precisa se locomover é sôfrega. A estrada é precária, à noite, nem todas as luzes funcionam e, rá!, não existe linha de ônibus. Exatamente por isso, encorajados pelo saudoso Movimento Passe Livre (MPL), os moradores da região criaram uma comissão, alugaram uma van e mostraram para a subprefeitura de Parelheiros, responsável pela área, com quantos passageiros se faz um busão com tarifa zero.
Mal descemos do táxi e o Caio Martins, do MPL, perguntou “Não se perderam? Várias pessoas da imprensa se perderam para chegar e desistiram”. Ou seja, se andar de carro é complicado, imagina para quem está a pé.

Logo na entrada da van, que eu prefiro chamar de pequeno busão, uma placa anunciava: LINHA POPULAR. TRAJETO: MAMBU X MARSILAC. TARIFA ZERO. HOJE O POVO É QUE VAI MANDAR NO TRANSPORTE! Não só o fato de a passagem ser gratuita era incrível, mas também a provocação feita à subprefeitura, que aprovou a criação de uma linha de ônibus, mas nunca tirou o projeto do papel. Inclusive, dei uma ligada para a assessoria de imprensa perguntando sobre a estrada, sobre uma ponte totalmente zoada e perigosa e sobre a linha de ônibus fantasma, mas eles disseram que às cinco da tarde é difícil encontrar as pessoas que poderiam responder por isso. Ué, meu Brasil lindo, horário comercial não existe para funcionário público?
E lá fomos nós fazer o trajeto. O clima dentro do pequeno busão (escrevo como quiser) era animado. Senhoras, senhores, crianças, cortinas vermelhas e azuis, jornalistas, fotógrafos. Pouca ventilação, um calor do cão, mas todo mundo feliz e balangando estrada adentro.

Maria Nascimento, integrante da comissão de moradores.
“Aqui, as pessoas andam cerca de 15 km. Não tem lazer, educação, cultura. As pessoas são isoladas. Até existem coisas gratuitas, mas não temos como nos locomover. Os jovens conseguem emprego, mas não conseguem transporte para ir trabalhar. Eles perdem a motivação”, me contou Maria Nascimento, integrante da comissão de moradores. Conversei com algumas mulheres sobre os principais empecilhos causados pela distância enorme entre tudo o que existe na região e a falta de transporte. A maioria falou sobre como é difícil ir até o posto de saúde. “Uma senhora cardíaca teve um infarto e morreu porque a ambulância do posto não pôde resgatá-la”, me disse uma delas. Quem não tem carro, se vira como dá. Alguns encaram jornadas de três a quatro horas a pé. Em emergências, geralmente se paga 20 reais por uma carona com o vizinho motorizado.

O momento mais absurdo e lisérgico do rolê no pequeno busão foi quando todos os passageiros tiveram que descer e atravessar uma ponte estreita a pé, esquema Ensaio Sobre a Cegueira. A construção do negócio encontra-se tão precarizada que é perigoso passar por ali com um veículo pesado. A questão é que a ponte não tinha nenhuma cerca e, pasmem, havia buracos no meio dela. Sim, buracos enormes. Sem contar que uma madeira improvisada sustentava boa parte do peso daquela lamentável construção sucateada.
Ali, nem todo mundo sabia exatamente que as manifestações de junho foram puxadas pela garotada do MPL e resultaram na revogação do aumento da tarifa do transporte coletivo. Mas todos pareciam gratos, inclusive a Maria. “Eles contribuem muito com nós. Quando pensamos em desistir, eles nos apoiam e dizem ‘isso é um direito de vocês’.”

Infelizmente, o pequeno busão autogestionado onde todos são bem-vindos não irá acontecer novamente, mas a comissão de moradores e o MPL já chamaram um novo encontro para o dia 19, sábado. Pode ser uma pressão singela, mas se tem a mão dos jovens arautos do transporte coletivo, provavelmente será contínua.
(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17154)
Galeano fala sobre Literatura e Política (Cynara Menezes)

Em entrevista na Bienal do Livro de Brasília, ele debate esquerda (no poder e nas letras…), futebol, idade, câncer e… Mujica!
Por Cynara Menezes, em Socialista Morena
Em 1998, entrevistei a escritora Rachel de Queiroz (1910-2003) e ela me confessou sentir “antipatia mortal” por O Quinze, o clássico da literatura brasileira que publicou aos 20 anos, em 1930, e que, desde então, seria sua “obra mais importante e mais popular” (tudo quanto é enciclopédia se refere assim ao livro). O mesmo acontece com As Veias Abertas da América Latina e o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Publicado em 1971, quando Galeano tinha 30 anos, a obra até hoje o persegue. É sempre nomeado como “o autor de As Veias Abertas…“, o que, pelo visto, o incomoda –mesmo porque tem mais de 30 livros além dele.
Na entrevista coletiva que deu na sexta-feira 11 em Brasília, onde veio para ser o escritor homenageado da 2ª Bienal do Livro e da Leitura, Galeano ouviu provavelmente a milionésima pergunta sobre Veias Abertas. “Faz 40 anos que você escreveu As Veias Abertas da América Latina. Quais são as veias abertas hoje em dia?” E ele, em um português bastante razoável: “Seria para mim impossível responder a uma pergunta assim, especialmente porque, depois de tantos anos, não me sinto tão ligado a esse livro como quando o escrevi. O tempo passou, comecei a tentar outras coisas, a me aproximar mais à realidade humana em geral e em especial à economia política – porque As Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu ainda não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas é uma etapa superada. Eu não seria capaz de ler de novo esse livro, cairia desmaiado. Para mim essa prosa de esquerda tradicional é chatíssima. O meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro… ‘Tem alguma cama livre?’, perguntaria.” Risadas.
Aproveito e emendo: mas o que você achou de Chávez dar o livro para o Obama? Obama entenderia As Veias Abertas…? “Nem Obama nem Chávez”, responde Galeano para gargalhada geral. “Claro, porque ele entregou a Obama com a melhor intenção do mundo – Chávez era um santo, cara mais bondoso que esse eu não conheci –, mas deu de presente a Obama um livro em uma língua que ele não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel.”
Eu nunca tinha visto o grande escritor uruguaio de perto. É mais baixo do que imaginava, cerca de 1m70. Bastante frágil, aparenta ter mais do que seus 73 anos. Ele mesmo comenta que a maioria dos escritores é de esquerda e, como tal, chegados a uma boemia e isso não faz bem à saúde… Uma menina pergunta: “A idade não é boa para os jogadores de futebol. E para os escritores?” Galeano discorda. “Depende. Tem velhos muito mais jovens que os velhos velhíssimos e tem velhos que você acha que estão esperando a morte e surpreendentemente acabam ganhando uma partida por 8 a zero. Não depende da biologia nem do prognóstico dos profetas. Não depende de ninguém. O melhor que o futebol tem como esporte – a festa que o futebol é, a festa das pernas que jogam, a festa dos olhos – é a capacidade de surpresa, de assombro. Na verdade ninguém sabe o que vai acontecer. E menos ainda os especialistas. Aqueles doutores do futebol são seres temíveis, perigosíssimos para a sociedade e o mundo em geral.”
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Outro jornalista espeta: “Por que a esquerda não deu certo na América Latina?” Galeano não se faz de rogado: “Algumas vezes deu certo, algumas vezes, não. A realidade é mutável, a realidade política e todas as outras –por sorte. Senão seríamos estátuas, estaríamos congelados no tempo. Não é verdade que a esquerda não deu certo. Deu certo e muitas vezes foi demolida por ter dado certo, por ter tido razão, porque o que a esquerda predicou, em certo momento na América Latina, resultou ser a verdade, então foi punida. Punida pelos golpes de Estado, ditaduras militares, períodos prolongadíssimos de terror de Estado, crimes horrorosos cometidos em nome da paz social, do progresso. Da convivência democrática, imaginem! Que democracia e que convivência são essas? Tinham que perguntar: ‘do que está falando, senhor?’ As coisas são muito mais complexas do que parecem. Em alguns períodos, também, a esquerda comete erros gravíssimos e em outros, não, faz o que deve ser feito da melhor maneira, até além do que o próprio movimento de massas estava esperando. A realidade sempre tem esse poder de surpresa. Te surpreende com a resposta que dá a perguntas nunca formuladas. E que são as mais tentadoras. O grande estímulo para a vida está aí, na capacidade de adivinhar possíveis perguntas não formuladas.”
Galeano está cansado, foram muitas horas de viagem para chegar à capital federal, e quer encerrar a entrevista. Eu protesto: “Mas e Mujica? Você não vai falar de Mujica?” Ele não resiste e se senta de novo. “Estou meio cansado, estou fatigado de falar de Mujica, porque todo mundo fala dele! Até em outros planetas se fala de Mujica. Em Marte, Júpiter… É incrível a capacidade de ressonância que Mujica tem. E ele é muito meu amigo, já faz muitos anos. A única coisa que posso fazer para incorporar um grão de areia a esta praia imensa de Mujica caminhando pelo mundo seria contar uma piccola história que dá ideia da qualidade humana do personagem.”
E começou a narrar, saborosamente, como é de seu feitio:
“Faz uns quatro anos –não tenho interesse em lembrar direito a data– fui operado de câncer. Foi um câncer sério, agudo. Tomei uma anestesia muito forte, dessas que não desaparecem rápido. E estava sozinho na cama do hospital, esperando que passasse o efeito da anestesia. Ou seja, mais dormido do que acordado. Sem saber muito o que acontecia, onde estava, delirando. E neste período, estando sozinho em uma cama –sozinho, não, acompanhado pelo câncer, mas o câncer não é um amigo confiável. Não te recomendo. Bem, estava eu ali e volta e meia delirava. Como sou muito futeboleiro, um religioso da bola, tinha delírios futebolistas que me levaram aos anos de infância, quando jogava na rua, com bolas improvisadas, feitas com trapos velhos. E em uma dessas fugas, comecei a bater bola. Como se fosse uma múmia egípcia que tinha errado de domicílio, jogando futebol contra ninguém e sem bola nenhuma, só na imaginação. Chutava a bola e ela voltava, chutava e ela voltava. Tudo debaixo do lençol. E nada, a bola continuava, como se estivesse morta de riso da minha estupidez de achar que podia com ela. ‘Não, você não pode comigo’. Numa dessas, senti um peso em cima dos meus joelhos. Aí começo a recobrar a realidade e vejo alguém que conheço, uma voz que reconheço, de um amigo. E pergunto:
–O que você está fazendo aqui?
E ele:
–Isso é maneira de receber um amigo?
–Não importa, quero saber o que você faz aqui. Está doente também?
–Que é isso, estou saudabilíssimo. O enfermo é você.
–Estou sabendo. Obrigado pela notícia, mas já estou sabendo.
–O doente é você, está fodido, irmão. Eu vim te visitar. Agora, não sabia que se recebia um amigo assim, chutando-o, chutando-o e chutando-o. Não é muito educado.
Continuamos nessa até que eu falei:
–Olhe, chega. Sua função não é estar aqui brincando comigo. Você é o presidente da Repoública e sua função é governar. Mujica, você é o presidente! Vai governar este país já! Estamos precisando de sua participação ativa, desinteressada, importantíssima para o nosso povo. Não perca mais tempo comigo.
–Ah, bela maneira de ser amigo, hein?
–Será bela ou será feia, mas é a única maneira para você. Você é o presidente! Além disso, para piorar, todo mundo gosta de você e quer que continue sendo presidente por uns 300 anos mais. Se você não gosta, foda-se.
E aí acabou.”
Na saída, consigo falar a Eduardo Galeano do enorme prazer que sinto em conhecê-lo pessoalmente e lhe conto que adoro O Livro dos Abraços. Ele olha para mim e diz: “Eu também”.
Ufa.
(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17176)
segunda-feira, 14 de abril de 2014
Independências, o novo fantasma europeu (Conn Hallinan)

Espanha, Grã-Bretanha, Itália e Bélgica podem se dividir. Quem reivindica autonomia. Por que movimento é respostas às políticas de “austeridade”
Por Conn Hallinan, do The Nation | Tradução: Antonio Martins
As famílias felizes são todas parecidas;
cada família infeliz o é à sua maneira”
Leon Tolstoi, Anna Karenina
A abertura do grande romance de amor e tragédia de Tolstoi poderia ser uma metáfora da Europa de hoje, onde “famílias infelizes” de catalães, escoceses, belgas, ucranianos e italianos consideram divorciar-se dos países de que são parte. E, em mais um caso em que a realidade imita a ficção, cada uma delas é infeliz à sua própria maneira.
Enquanto os Estados Unidos e seus aliados exasperam-se com o recente referendo na Crimeia, que separou a província da Ucrânia, os escoceses viverão uma consulta muito similar em 18 de setembro e os catalães gostariam muito de fazer o mesmo. Assim como os habitantes do Tirol do Sul e a população de língua flamenga do norte da Bélgica.
Na aparência, muitos destes movimentos de secessão sugerem que regiões ricas estão tentando “libertar-se” de outras mais pobres. Mas ainda que haja alguma verdade nisso, a fórmula é muito simplista. No norte da Bélgica, os flamengófonos, mais ricos, querem separar-se dos francófonos despreocupados do Sul, assim como os tiroleses gostariam de se separar da Itália meridional, castigada pela pobreza. Mas na Escócia, muito da luta tem a ver com a preservação do contrato social que os governos do “novo” Partido Trabalhista – agora conservador – e do Partido Conservador – de direita – desmantelaram sistematicamente. O caso da Catalunha, bem, é complicado.
As fronteiras europeias podem parecer imutáveis, mas certamente não o são. Foram deslocadas várias vezes – pela guerra, necessidades econômicas ou porque os poderosos desenharam linhas caprichosas que ignoram a história e a etnicidade. A Crimeia, conquistada por Catarina, a Grande, em 1783, foi arbitrariamente cedida à Ucrânia, em 1954. A Bélgica resultou de um congresso das potências europeias, em 1830. A Escócia, empobrecida, ligou-se à ria Inglaterra, em 1707. A Catalunha caiu diante dos exércitos espanhol e francês em 1714. E o Tirol do Sul foi um espólio da Primeira Guerra Mundial.
Em todos os casos, ruídos históricos, desenvolvimento injusto e tensões étnicas foram exacerbados por um crise econômica de longa duração. Nada como o desemprego e as políticas de “austeridade” para acender as fogueiras da secessão. Os dois movimentos separatistas mais fortes estão na Escócia e Catalunha – e são os que podem ter impacto mais profundo no resto da Europa.
As regiões são infelizes de diferentes maneiras.
Escócia
A Escócia sempre teve um partido nacionalista expressivo, embora marginal – mas foi dominada tradicionalmente pelo Partido Trabalhista britânico. Os Conservadores quase não existiam a norte do rio Tweed. Mas o “novo trabalhismo” do ex-primeiro-ministro Tony Blair adotou cortes de investimentos públicos e privatizações que marginalizaram muitos escoceses, obrigados a gastar mais com Saúde e Educação que o resto dos britânicos.
Quando o Partido Conservador ganhou as eleições, em 2010, seu orçamento de “austeridade” devastou a Educação, Saúde, os subsídios para Habitação e o Transporte. Os escoceses, irados, votaram no Partido Nacional Escocês (SNP), nas eleições de 2011 para o parlamento local. O SNP imediatamente propôs um plebiscito que indagará aos eleitores se querem revogar o Ato de União de 1707 e voltar a ser um país independente. Se a resposta for sim, o SNP propõe renacionalizar o correio e expulsar da Escócia os submarinos britânicos Trident, dotados de mísseis nucleares.
Levando em conta o petróleo do Mar do Norte, quase não há dúvidas de que uma Escócia independente seria viável. O país tem um PIB per capita mais alto que o da França e, além de petróleo, exporta bens industriais e uísque. A Escócia seria um dos 35 países com maiores receitas de exportação.
O governo britânico do Partido Conservador diz que, se a Escócia votar pela independência, não poderá mais utilizar a libra como moeda. Os escoceses dizem que se a ameaça for mantida, não assumirão mais responsabilidade por sua parcela na dívida pública britânica. Neste ponto, há um impasse.
Segundo os britânicos, e alguns tecnocratas em posições de poder na União Europeia (UE), uma Escócia independente não poderá permanecer integrada ao bloco europeu, mas isso pode ser um blefe. Primeiro, porque contrariaria precedentes históricos. Quando a Alemanha reunificou-se, em 1990, cerca de 20 milhões de habitantes do país oriental (a República Democrática Alemã) foram automaticamente reconhecidos como cidadãos da UE. Se 5,3 milhões de escoceses foram excluídos, será por ressentimento, não por política. De qualquer forma, como o Partido Conservador britânico planeja, em 2017, um referendo que poderia separar a Grã-Bretanha da União Europeia, Londres não está apostando todas as fichas numa postura de intransigência…
Se as eleições fossem hoje, os escoceses provavelmente optariam por permanecer no Reino Unido, mas as tendências estão mudando. A pesquisa mais recente indica que 40% votarão pela independência – um avanço de 3 pontos percentuais, em relação à sondagem anterior. A parcela dos eleitores contrária à independência caiu 2 pontos percentuais, e agora representa 45% do total. Há 15% de indecisos. Todos os residentes na Escócia com mais de 16 anos podem votar. Dada a formidável habilidade eleitoral de Alex Salmod, o primeiro-ministro da Escócia e líder do SNP, as perspectivas não são tranquilizadoras para o governo de Londres.
Catalunha
A Catalunha, situada no Nordeste da Espanha bem junto à fronteira com a França, foi sempre um motor da economia espanhola e uma região marcada por sensação de injustiça histórica. Conquistada pelos exércitos unidos da França e Espanha, na guerra de secessão espanhola (1701-1714), foi também derrotada na Guerra Civil espanhola, entre 1936 e 39. Em 1940, os fascistas, triunfantes, suprimiram o uso do idioma catalão, reprimiram sua cultura e executaram o presidente da região, Lluis Companys – um ato pelo qual nenhum governo de Madri desculpou-se até hoje.
Após a morte do ditador Francisco Franco, em 1975, a Espanha buscou reconstruir sua democracia, sepultando as animosidades profundas engendradas pela Guerra Civil. Mas os mortos podem não permanecer enterrados para sempre, e cresce um movimento pela independência catalã.
Em 2006, a região conquistou autonomia considerável, mas ela foi revogada pelo Supremo Tribunal espanhol em 2010, para alegria do Partido Popular (PP, conservador), no poder. A decisão serviu de combustível para o movimento pela independência da Catalunha e em 2012 partidos separatistas chegaram ao poder.
O PP, do primeiro-ministro Mariano Rajoy, é uma preocupação permanente na Catalunha, cujo parlamento é dominado por diversos partidos independentistas. O maior deles é a Convergencia i Unio (CiU), do presidente provincial, Artur Mas. Porém, a Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) dobrou, há pouco, sua representação legislativa.
Estes partidos divergem entre si. Muitos tendem a ser centristas ou conservadores, enquanto o ERC é de esquerda e se opõe às políticas de “austeridade” do PP – algumas das quais foram adotadas também pelo CiU. O centrismo deste partido é uma das razões pelas quais sua bancada caiu de 62 deputados para 50, nas eleições de 2012, enquanto a do ERC saltou de dez para 21.
A taxa oficial de desemprego na Espanha é de 25%, mas o índice é bem mais alto entre os jovens e nas regiões do Sul – e a esquerda parece disposta a ir à luta. Mais de 100 mil pessoas marcharam em Madri, no mês passado, exigindo o fim da “austeridade”.
Dizendo apoiar-se na Constituição de 1976, Rajoy recusa-se a permitir um referendo de independência, uma intransigência que alimentou a chama do movimento separatista. Em janeiro, o parlamento catalão votou, por 87 a 43, por realizar o referendo, e as pesquisas mostram uma maioria em favor da separação. Há seis meses, um milhão e meio de catalães marcharam em Barcelona pela independência.
De olho no eleitorado de direita, o PP também radicalizou e parece disposto a provocar os catalães. Quando a Catalunha proibiu as touradas, Madri aprovou uma lei que as considera herança cultural da nação. Os bascos podem arrecadar seus próprios impostos; os catalães, não.
Como a União Europeia reagiria a uma Catalunha independente? E o governo central de Madri faria algo para impedir o passo? É difícil imaginar o envolvimento do exército espanhol, embora o partido de Rajoy tenha entre seus fundadores um ex-ministro do governo franquista e a reivalidade entre Madri e Barcelona seja evidente.
Outras linhas de ruptura
Há outras linhas de ruptura na Europa.
A Bélgica poderá se dividir? A fissura entre os flamengófonos (no norte) e os francófonos (no sul) é tão profunda que foram necessários dezoito meses para formar um governo, após a última eleição. E se a pequena Bélgica rachar, ela dará origem a dois países, ou será engolida pela França e Holanda?
Na Itália, o Partido da Liberdade do Tirol do Sul reivindica um referendo de independência e uma fusão com a Áustria, embora a minúscula província, – chamada na Itália e Alto Adige – quase não tenha do quê se queixar. Ela retém 90% dos impostos que arrecada, e sua economia conseguiu evitar o pior da crise de 2008. Mas parte da população germano-austríaca ressente-se de cada centavo transferido a Roma e há um profundo preconceito contra os italianos – que constituem 25% dos habitantes – particularmente, os do Sul. Nesse sentido, o Partido da Liberdade não é muito diferente da Lega Norte, racista e elitista, que tem como base o Vale do Po.
É instrutivo assistir a um vídeo, no YouTube, sobre como as fronteiras da Europa mudaram, de 1519 a 2006 – um período de menos de 500 anos. O que julgamos eterno é efêmero. O continente europeu está novamente à deriva, tensionado por linhas de ruptura antigas e contemporâneas. A atitude de países como Espanha e a Grã-Bretanha, e de organizações como a União Europeia diante deste processo determinará seu caráter – se civilizado ou doloroso. Mas tentar interrompê-lo causará, muito provavelmente, apenas mais dor.
(Disponível em: http://outraspalavras.net/capa/independencias-o-novo-fantasma-europeu/)
quinta-feira, 10 de abril de 2014
Por mais parques — e menos cinzentos (Breno Castro Alves)

Surgem, em S.Paulo, coletivos dispostos a lutar pelos espaços públicos e a geri-los de modo não burocrático. Mídia, enquanto isso, torce por espigões
Por Breno Castro Alves
Em tempos de voracidade do capital imobiliário, o Parque Augusta — última área livre de mata atlântica no centro de SP — sofre a ameaça real de ser transformado em duas torres de 100 metros. A Folha de São Paulo atuou, esses dias, como porta voz das incorporadoras Setin e Cyrella.
Apesar de o jornal afirmar que ali haverá torres, o prefeito Fernando Haddad sancionou, em dezembro de 2013 a a Lei 345/2006, que determina a criação do parque público na área disputada. Há resistência engravatada. Dois dias depois da aprovação dessa lei, as incorporadoras Setin e Cyrella, sócias do proprietário e ex-banqueiro Armando Conde, fecharam ilegalmente os portões de acesso ao parque, que se mantém assim há 90 dias.
Em resposta a essa restrição ilegal à circulação de pessoas em espaço público, um movimento social — o Organismo Parque Augusta — articulou-se e iniciou diálogo formal com a prefeitura, em 25 de março. Publicamos aqui uma carta pública com nosso posicionamento a partir deste encontro.

O Organismo, que defende a gestão popular de um parque 100% público, está cobrando a participação da gestão Haddad na construção da política pública que vai garantir o cumprimento da lei já aprovada pelo prefeito. Entendemos ser necessária a participação de, no mínimo, as secretarias de Desenvolvimento Urbano, Verde e Meio Ambiente, Educação, Cultural, Governo, Subprefeituras, além dos outros órgãos da máquina pública descritos na carta. Os objetivos a que pretendemos chegar com essa mobilização estão descritos no site Parque Augusta (http://www.parqueaugusta.cc).
Ao aprofundar este processo político que propomos, descobrimos que não estamos sós. Encontramos a luta de diversos outros parques municipais ameaçados. São 130, segundo a secretaria do Verde — e há gente que começa a lutar por eles. O Organismo Parque Augusta participou do I Ato em Defesa dos Parques Ameaçados em SP. Aconteceu dia 31, no centro da cidade. Contou com a participação dos parques Águas Espraiadas, Brasilândia, Embu-Mirim, Minhocão, Augusta, Mooca, Morro do Querosene, Peruche, Pinheiros e Vila Ema. Terminou com a criação da Rede Novos Parques SP.
A Rede se propõe a pensar uma política pública que primeiro garanta a integridade física de todos os parques da cidade, para depois desenvolver um processo de abertura para as comunidades ao redor, construindo experiências de gestão popular nestes espaços.
Propomos um ciclo aberto de debates e pesquisa sobre os parques da cidade e entendemos que a Virada Cultural é cenário ideal para essa realização. O evento, que traz a ocupação do centro em seu dna, poderá amplificar e democratizar o debate, envolvendo população e prefeitura na construção dessas soluções necessárias.
Aqui, carta aberta do Organismo Parque Augusta sobre o ínicio de nossa conversa com a prefeitura e o convite ao diálogo que estendemos a toda a gestão Haddad.
(Disponível em: http://outraspalavras.net/blog/2014/04/10/por-mais-parques-e-menos-cinzentos/)
Livros: a aventura da autopublicação (Daniel Cariello)

Feira Plana, evento de venda de publicações independentes que acontece anualmente em São Paulo
Como quatro autores criaram selo editorial alternativo, lançaram suas obras sem intermediários, tiveram êxito e podem ser seguidos por gente como você
Por Daniel Cariello
Em 2007, fui morar na França. Meu francês se limitava a “croissant” e “quatre-vingt”, que significa “oitenta” e eu conhecia porque achava muito estranho eles dizerem “quatro vinte”, fazendo conta para falar um número. As descobertas iniciais na nova casa foram tão intensas que criei o site Chéri à Paris, no qual postava crônicas semanais sobre a vida de um brasileiro na terra do fromage. Logo elas passaram a ser republicadas por veículos como Outras Palavras, Le Monde Diplomatique online, Magazine Brazuca (em Paris) e UOL.
CHERIPARIS_Capa_F02.inddUm ano depois, recebi e-mail de uma editora: “Adoramos seus textos. Avise-nos se quiser lançá-los em livro”. Claro que queria, era o meu sonho! Respondi na hora e já passamos à discussão de detalhes do contrato. A dona da instituição me confessou ser apaixonada por tudo o que diz respeito à França. Desconfio que era também interessada por druidas e suas magias, pois, assim como apareceu do nada, sumiu pouco tempo depois, sem deixar vestígios. Verdadeira Panoramix moderna.
Se a poção mágica de sumiço que ela tomou me deixou triste por um lado, por outro me motivou a fazer um projeto enviá-lo a editoras, escritores, críticos e a todo mundo que tivesse alguma relação com o mercado editorial. O que não sabia, no entanto, é que aquela recusa era apenas a primeira de uma longa série de “não, obrigado”, “não há interesse por crônicas”, “não há planos de novos lançamentos esse ano” e diversas outras variações introduzidas pelo monossílabo de negação. Cansado, quase desisti de publicar o Chéri à Paris.
Autopublicação?
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“Daniel, você precisa lançar um livro”, dizia a lacônica mensagem que recebi às 23h de uma terça-feira vulgar de setembro do ano passado, enviada pelo amigo e escritor Yury Hermuche. De bate pronto, devolvi o desafio. “Ok, mas só se você também escrever um e lançarmos juntos”. Ele topou. E aí me dei conta de que não tínhamos editora. E eu não sentia nenhuma vontade de correr atrás novamente. “Pra quê?”, ele perguntou. “Autopublicação. Você vai ser seu próprio editor. E a tiragem se paga rapidamente, você vai ver”.
A rua de todo mundo - Carolina NogueiraA ideia de convidar as amigas Carolina Nogueira e Gabriela Goulart Mora a participarem com a gente foi natural. Achei que tinha tudo a ver elas colocarem no papel um pouco de suas experiências distantes: Carolina, em Paris; Gabriela, na Índia. Terminamos os quatro livros no tempo recorde de dois meses. E decidimos criar um selo para reuni-los. Afinal, se a amizade nos unia, a temática dos livros (distância, estranhamento e viagens) também nos era comum.
O selo Longe já nasceu com os genes da independência e da autopublicação, bem explícitos no manifesto publicado em nosso site: “Com todo respeito ao mercado editorial, (…) nosso negócio é outro. Queremos escrever livros, contar nossas histórias, compartilhar nosso universo – e queremos ser lidos. Só isso”. E continuamos: “Aliás, o gosto pelo papel também tem a ver com a decisão. Escolher a gramatura, a textura da folha que vai receber nossas ideias, a fonte com que serão compostas páginas (…) – por que diabos delegaríamos tudo isso a outra pessoa?”
Anti-heróis e aspirinas - Yury HermucheMas funciona?
E muito. A noite de lançamento do Longe reuniu mais de 1.000 pessoas no Cine Brasília, o cinema mais tradicional da cidade. Ali, vendemos 700 livros e praticamente pagamos as tiragens. Depois, como não temos distribuidora, criamos sites individuais e um coletivo, para o selo, onde os livros estão à venda. E firmamos parcerias com diversos pontos de comercialização, dentro e fora de Brasília.
O reconhecimento veio ainda de outras maneiras. Toda a mídia local escreveu sobre o Longe, assim como diversos veículos nacionais. Além disso, A Rua de Todo Mundo, da Carolina, foi escolhido para ser oficialmente lançado pela II Bienal do Livro e da Leitura, que ocorre em abril, em Brasília; Anti-heróis e Aspirinas, do Yury, teve mais de 100 mil downloads de seu e-book em inglês e de sua trilha sonora; e Depois das Monções, da Gabriela, ficou entre os 20 mais vendidos da loja Amazon, em março.
Já o Chéri à Paris foi destaque em veículos como Folha de S. Paulo, Estado de Minas, Diário de Pernambuco, Educar para Crescer, Rádio Senado e CBN. O e-book, que eu mesmo formatei e publiquei, foi duas vezes o mais vendido da loja Amazon. Entre livros físicos e digitais, Chéri já vendeu mais de 1,2 mil cópias em pouco mais de 3 meses, o que é um feito considerável para o mercado editorial tradicional. E quase heróico para o independente.
Depois das monções - Gabriela GoulartA iniciativa vem sendo tão bem sucedida que autores que antes apostavam na publicação tradicional, via editora e distribuidora, já estão nos contactando. A autopublicação é um caminho sem volta. E que vai longe.
Conheça:
Chéri à Paris – www.cheriaparis.com.br
Selo Longe – www.muitolonge.com.br
(Disponível em: http://outraspalavras.net/destaques/livros-a-aventura-da-auto-publicacao/)
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