quinta-feira, 30 de maio de 2013

A saúde não pode ser importada

No início de maio deste ano, foi divulgada nos meios de comunicação a notícia de que o governo brasileiro importará médicos – cubanos (aproximadamente 6000), portugueses e espanhóis – para trabalharem no interior do Brasil. A opinião popular aprovou a medida: nada mais do que já era esperado, visto que na política de nosso País a maior parte do que se faz é cautelosamente arquitetada com vistas à próxima eleição, já considerando a aprovação do eleitor, e não em um real e consolidado projeto de Nação. Por outro lado, grupos sociais se opuseram a essa política de governo: ícones de uma direita populista falaram em “revolução comunista”, “contaminação ideológica”, etc. no interior brasileiro; as entidades médicas se posicionaram contra argumentando principalmente em torno do REVALIDA (exame para admissão de médicos estrangeiros) e do plano de carreira para a categoria. Entretanto há algo muito mais importante que tudo isso (politicagem eleitoreira, corporativismo) que poucos estão considerando: o subfinanciamento do sistema único de saúde – o SUS.
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do IBGE, enquanto quase 50% do orçamento do governo federal são voltados para o pagamento de juros e amortização da dívida e aproximadamente 20% para a previdência social, menos de 4% do orçamento é investido em saúde, o que – junto aos investimentos municipais e estaduais – faz o gasto público arcar com somente 40% da despesa total em saúde. Esses números, tão abstratos quanto parece ser a realidade da saúde pública brasileira, são pífios perante os que se referem a outros países, inclusive àqueles nos quais não se defende um sistema universal e público, como o brasileiro. Para esconder essa realidade em véspera de eleição, o governo propôs essa política de importação de médicos.
Para a população em geral, médico é saúde, logo: mais médicos, melhor a saúde. No entanto, primeiro há de se destacar que o conceito de saúde vai muito além da ausência de doença – conforme consta em nossa Constituição Cidadã -, pois ele se refere mais ao bem-estar resultante de várias condicionantes: acesso ao serviço de saúde, educação de qualidade, saneamento básico, moradia digna, condições de trabalho justas, meio ambiente, etc. – questões muito além do papel do médico e que levam o debate a outro nível, muito mais complexo e abrangente inclusive, mas que não devem ser ignoradas ou esquecidas, muito embora não sejam o foco deste artigo. Em um segundo ponto: de que vale um médico sem condições de trabalho? E não se trata aqui tão somente de salário digno a esse trabalhador, mas sobretudo de uma ambiência que envolva: infraestrutura adequada, acesso a materiais para a realização de procedimentos, disponibilidade de exames complementares, formação de equipe multiprofissional (agente comunitário de saúde, técnico de enfermagem, enfermeiro, farmacêutico, psicólogo, entre outros). Mesmo assim, o governo prefere investir em médicos estrangeiros – inclusive ofertando-os cursos, conforme noticiado recentemente -, tão somente focado em atingir os “níveis de cobertura”, valiosos em períodos eleitorais, e sem considerar a importância da longitudinalidade (em linhas gerais: acompanhamento do usuário ao longo do tempo pela equipe de saúde), como tentou fazer com o Programa de Valorização ao Profissional da Atenção Básica (PROVAB), que basicamente é uma política de interiorização (não tão) voluntária – garantindo benefícios na seleção para a residência médica – dos recém-formados estudantes de Medicina, os quais – assim como os médicos estrangeiros que virão – têm de trabalhar nas condições supracitadas, neste caso ainda com o agravante de serem médicos com pouca experiência profissional e com uma educação médica deficitária.
Aliás, eis o último ponto deste artigo: uma educação médica abandonada. Se, de fato, fosse prioridade deste governo atual a saúde de qualidade, o dinheiro que está sendo gasto para importar e formar médicos estrangeiros (e para tantos outros investimentos questionáveis) seria investido, pois, na educação dos futuros médicos de nossa própria Nação. E não se fala aqui de abrir mais escolas médicas, mas de oferecer cursos de qualidade – avaliados longitudinalmente e de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, como o Teste de Progresso da ABEM, de que em nada se apropria o exame do CREMESP ou o próprio ENADE -, voltados para a formação de médicos generalistas para a atenção básica no SUS, o que realmente irá revolucionar a saúde pública no País.
Portanto, fica claro que não é possível considerar séria e honesta – desvinculada de mitos e tão somente interesses eleitoreiros - uma política que não considere a saúde pública como uma construção interna e consolidada do País – pautada na valorização do profissional da saúde, da ambiência e da educação médica, fornecendo a ela um financiamento adequado para isso -, pois, diferente do que nossos governantes estão tentando tratar: a saúde não pode ser importada.



*Lucas Cardoso da Silva é estudante de Medicina na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Vice Coordenador Discente da Regional Sul 2 da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM) e articulador da Rede Sustentabilidade em Santa Catarina.

"Manifesto dos Iguais", Gracchus Babeuf

Povo da França!

Durante perto de vinte séculos viveste na escravidão e foste por isso demasiado infeliz. Mas desde há seis anos que respiras afanosamente na esperança da independência, da felicidade e da igualdade.

A igualdade! - primeira promessa da natureza, primeira necessidade do homem e elemento essencial de toda a legítima associação! Povo da França, tu não ficaste mais favorecido do que as outras nações que vegetam sobre esta mísera terra! Sempre e em qualquer lado, a pobre espécie humana, vítima de antropófagos mais ou menos astutos, foi joguete de todas as ambições, pasto de todas as tiranias. Sempre e em qualquer lado se adulou os homens com belas palavras, mas nunca e em lugar nenhum obtiveram eles aquilo que, através das palavras, lhes prometeram. Desde tempos imemoriais se vem repetindo hipocritamente: os homens são iguais. Mas desde há longo tempo que a desigualdade mais vil e mais monstruosa pesa insolentemente sobre o gênero humano.

Desde a própria existência da sociedade civil, o atributo mais belo do homem vem sendo reconhecido sem oposição, mas nem uma só vez pôde ver-se convertido em realidade: a igualdade nunca foi mais do que uma bela e estéril ficção da lei. E hoje, quando essa igualdade é exigida numa voz mais forte do que nunca, a resposta é esta: "Calai-vos, miseráveis! A igualdade não é realmente mais do que uma quimera; contentai-vos com a igualdade relativa: todos sois iguais em face da lei. Que quereis mais, miseráveis?" Que mais queremos? Legisladores, governantes, proprietários ricos; é agora a vossa vez de nos escutardes.

Todos somos iguais, não é verdade? Este é um princípio incontestável, porque ninguém poderá dizer seriamente, a não ser que esteja atacado de loucura, que é noite quando se vê que ainda é dia. Pois bem, o que pretendemos é viver e morrer iguais já que como iguais nascemos: queremos a igualdade efetiva ou a morte.

Não importa qual o preço, mas havemos de conquistar essa igualdade real. Ai daqueles que se interponham entre ela e nós! Ai de quem se oponha a um juramento formulado desta forma!

A Revolução Francesa não é mais do que a vanguarda de outra revolução maior e mais solene: a última revolução.

O povo passou por cima dos corpos do rei e dos poderosos coligados contra ele; e assim acontecerá com os novos tiranos, com os novos tartufos políticos sentados no lugar dos velhos.

De que mais precisamos além da igualdade de direitos?

Temos apenas necessidade dessa igualdade, da qual resulta a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: queremos vê-la entre nós, sob o teto das nossas casas. Estamos dispostos a tudo, a fazer tábua-rasa de tudo o mais, apenas para conservar a igualdade. Pereçam, se for necessário, todas as artes, desde que se mantenha de pé a igualdade real!

Legisladores e governantes, com tão pouco engenho como boa fé, proprietários ricos e sem coração, em vão tentais neutralizar a nossa sagrada missão dizendo: "Eles não fazem mais do que reproduzir aquela lei agrária exigida já por diversas vezes no passado".

Caluniadores, calai-vos pela vossa parte e, em silêncio de confissão, escutai as nossas pretensões, ditadas pela natureza e baseadas na justiça.

A lei agrária, ou a divisão da terra, foi aspiração momentânea de alguns soldados sem princípios, de algumas populações incitadas pelo seu instinto mais do que pela razão. Nós temos algo de mais sublime e de mais eqüitativo: o bem comum, ou a comunidade de bens! Nós reclamamos, nós queremos desfrutar coletivamente dos frutos da terra: esses frutos pertencem a todos.

Declaramos que, posteriormente, não poderemos permitir que a imensa maioria dos homens trabalhe e esteja ao serviço e ao mando de uma pequena minoria.

Há muito tempo já que menos de um milhão de indivíduos tem vindo a dispor de quanto pertence a mais de vinte milhões de semelhantes seus, de homens que são em tudo iguais a eles.

Devemos pôr termo a este grande escândalo, que os nossos netos não quererão acreditar possa ter existido! Devemos fazer desaparecer, finalmente, essas odiosas distinções de classes entre ricos e pobres, entre grandes e pequenos, entre senhores e servos, entre governantes e governados.

Que entre os homens não exista mais nenhuma diferença do que aquela que lhes é dada pela idade e pelo sexo. E, porque todos temos as mesmas necessidades e as mesmas faculdades, que exista, portanto, uma única educação para todos e um idêntico regime de alimentação. Toda a gente se sente satisfeita por dispor do sol e do mesmo ar que respira. Porque não há de acontecer o mesmo com a quantidade e a qualidade dos alimentos?

Mas é verdade que já os inimigos da ordem de coisas mais natural que imaginar se possa protestam e clamam contra nós.

Desorganizadores e facciosos, dizem-nos eles, vós só desejais que exista anarquia e massacre.

Povo da França!

Não desejamos perder tempo a responder a esses senhores, mas a ti dizemos-te: a sagrada tarefa em que estamos empenhados não tem outro objetivo que não seja pôr termo às lutas civis e à miséria pública.

Nunca foi concebido e posto em execução um plano mais vasto do que este. De vez em quando, alguns homens de talento, homens inteligentes, falaram em voz baixa e temerosa desse plano. Mas nenhum deles, claro, teve a coragem necessária para dizer toda a verdade.

Chegou a hora das grandes decisões. O mal encontra-se no seu ponto culminante, está a cobrir toda a face da terra. O caos, sob o nome de política, há já demasiados séculos que reina sobre ela. Que tudo volte, pois, a entrar na ordem exata e que cada coisa torne a ocupar o seu posto. Ao grito de igualdade, os elementos da justiça e da felicidade estão a organizar-se. Chegou o momento de fundar a República dos Iguais, este grande refúgio aberto a todos os homens. Chegaram os dias da restituição geral. Famílias sacrificadas, vinde todas sentar-vos à mesa comum posta para todos os vossos filhos.

Povo da França!

A ti estava, pois, reservada a mais esplendorosa de todas as glórias! Sim, tu serás o primeiro que oferecerá ao Mundo este comovedor espetáculo.

Os hábitos inveterados, os antigos preconceitos, farão novamente tudo para impedir a implantação da República dos Iguais. A organização da igualdade efetiva, a única que satisfaz todas as necessidades sem provocar vítimas, sem custar sacrifícios, talvez em princípio não agrade a todos. Os egoístas, os ambiciosos, rugirão de raiva. Os que conquistaram injustamente as suas possessões dirão que está a cometer-se uma injustiça em relação a eles. Os prazeres individuais, os prazeres solitários, as comodidades pessoais, serão motivo de grande pesar para os indivíduos que sempre se caracterizaram pela sua indiferença ante os sofrimentos do próximo. Os amantes do poder absoluto, os miseráveis partidários da autoridade arbitrária, baixarão pesarosos as suas soberbas cabeças perante o nível da igualdade real. A sua visão estreita dificilmente penetrará no próximo futuro da felicidade comum. Mas que podem fazer alguns milhares de descontentes contra uma massa de homens completamente satisfeitos de terem procurado durante tanto tempo uma felicidade que sempre tiveram à mão?

Logo que se verificar esta autêntica revolução, estes últimos, estupefatos, dirão uns aos outros: "Como custava tão pouco conseguir a felicidade comum! Era necessário apenas ter o desejo de alcançá-la. E por que não fizemos isso há mais tempo?" Será preciso repetir sempre uma e outra vez? Sim, sem dúvida, basta que sobre a terra um homem seja mais rico e mais poderoso do que os seus semelhantes, do que os seus iguais, para que o equilíbrio se quebre e o crime e a desgraça invadam o Mundo.

Povo da França!

Quais os sinais que nos permitem reconhecer as qualidades de uma Constituição? Aquela que se apóia integralmente sobre a igualdade é, na realidade, a única que te convém, a única que satisfaz as tuas aspirações.

As cartas aristocráticas dos anos 1791 e 1795, em vez de romper as tuas cadeias, vieram consolidá-las. A de 1793 supôs ser um grande passo no sentido da igualdade real, mas não conseguiu todavia esse objetivo e não apontou diretamente para a igualdade comum, embora consagrasse solenemente o grande princípio dessa igualdade.

Povo da França!

Abre os olhos e o coração para a plenitude da felicidade; reconhece e proclama conosco a República dos Iguais.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Eu e o Estudo da Medicina

Poucos compreendem minha trajetória no curso de Medicina.
Talvez conseguissem entender com maior facilidade se conhecessem o curso e suas falhas (que não estão restritas à UFSC).
Minha demora é consciente, planejada e muito bem esclarecida: é a demora necessária à formação de um médico que supere o modelo biomédico ineficiente. É a demora necessária à formação de um médico generalista, com a visão integral do paciente e da comunidade em que se insere.
É a demora, sobretudo, da formação universitária não só de um médico, mas de um cidadão ativo e atuante. E também não dá para esquecer a demora devido à minha juventude, que deve ser vivida e aproveitada, pois logo ela passa e não mais retornará.
Graças a D-us, tenho quem me ajude financeiramente nessa empreitada, quem acredita na minha pessoa e confia na forma como eu lido com a vida, em especial a profissional.
Portanto, não julgue sem conhecer. Deixem-me aprender em paz e guardem para si suas opiniões: cuidem de suas vidas, pois, como veem, cuido muito bem da minha. Garanto-lhes: daqui "sairá" um excelente médico, cidadão, humano.
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