Mostrando postagens com marcador Mobilidade Urbana. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Mobilidade Urbana. Mostrar todas as postagens

domingo, 25 de maio de 2014

Queremos a volta dos trens brasileiros! (Raquel Rolnik)

imigrantes_congestionamentos-170364-50db5c2039f0a

Feriados voltam a escancarar irracionalidade social e ambiental do automóvel. Caos exige reabrir um debate: até quando país adiará reconstrução de sua malha ferroviária?

Por Raquel Rolnik, em seu blog

Mais uma vez, a volta de um feriado — o de Páscoa — exigiu muita paciência dos paulistanos. Muita gente ficou horas parada no trânsito para conseguir voltar pra casa. Um amigo levou 10 horas para fazer um trajeto entre o litoral e a capital que normalmente dura 3 horas. Imagine só… você passa quatro dias descansando, mas chega em casa totalmente estressado depois desta agradabilíssima viagem de volta…

Já está mais do que claro que duplicação de rodovias, construção de novas pistas, túneis e viadutos não resolvem esse problema. Além de não darem conta da demanda – que só aumenta à medida que se abre mais espaço para veículos passarem –, as consequências ambientais são sempre grandes e raramente mitigáveis. Destruímos serras para chegar mais rápido e usufruir… das próprias serras…

Antigamente era possível ir de trem até Santos e até mesmo para o Guarujá. Lembro que íamos de trem para o Rio, para Minas e para todo o interior de São Paulo. É inacreditável que hoje, com tantos recursos e tecnologias disponíveis, não exista essa alternativa.

Além de ficarmos engavetados em viagens intermináveis, nossos carros entopem as belas praias, montanhas e cidades históricas que vamos visitar. Na maior parte delas, aliás, não há a menor necessidade de uso do carro. É possível resolver tudo a pé ou de bicicleta, ou usar transportes locais, minimizando o enorme impacto ambiental que essa imensa quantidade de veículos causa a pequenas vilas e cidades.

Precisamos urgentemente de um trem que ligue a metrópole ao litoral e ao interior.

No ano passado, o Governo do Estado anunciou a construção de uma linha de trem de média velocidade – 120 km por hora – para fazer essa ligação. O projeto – chamado de Trem Intercidades – prevê 430 km de malha ferroviária.

De acordo com o que foi divulgado pela imprensa, esse trem ligaria a capital a Campinas, Americana, Jundiaí, Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santos, Sorocaba, São Roque, São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba. A publicação do edital para concorrência pública para empresas interessadas em entrar no projeto, via parceria público-privada, foi prometida para este ano, mas até agora nada…

Já imaginaram? Poder viajar tranquilamente, com conforto e hora marcada pra sair e pra chegar, preservando nossas praias e nossas cidades dos danos causados pelos carros?

Queremos um trem para o litoral e interior já!

(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17244)

domingo, 20 de abril de 2014

São Paulo, Zona Sul: onde a Tarifa Zero já existe (Débora Lopes)

Passe-Livre-Mambu-Marsilac-3


Em Marsilac, bairro quase rural, população articula, com apoio do Movimento Passe Livre, micro-experiência de acesso gratuito ao transporte público

Por Débora Lopes | Fotos Felipe Larozza, na Vice

O taxímetro acusava uma fortuna de três dígitos quando chegamos em Marsilac, o bairro mais afastado do marco zero de São Paulo. Celular sem sinal, chão de terra batida, gado, linha de trem, bares deslocados, cães de estrada. O extremo sul da cidade é ermo e bucólico — parece interior. Mas a rotina de quem mora lá e precisa se locomover é sôfrega. A estrada é precária, à noite, nem todas as luzes funcionam e, rá!, não existe linha de ônibus. Exatamente por isso, encorajados pelo saudoso Movimento Passe Livre (MPL), os moradores da região criaram uma comissão, alugaram uma van e mostraram para a subprefeitura de Parelheiros, responsável pela área, com quantos passageiros se faz um busão com tarifa zero.

Mal descemos do táxi e o Caio Martins, do MPL, perguntou “Não se perderam? Várias pessoas da imprensa se perderam para chegar e desistiram”. Ou seja, se andar de carro é complicado, imagina para quem está a pé.


Logo na entrada da van, que eu prefiro chamar de pequeno busão, uma placa anunciava: LINHA POPULAR. TRAJETO: MAMBU X MARSILAC. TARIFA ZERO. HOJE O POVO É QUE VAI MANDAR NO TRANSPORTE! Não só o fato de a passagem ser gratuita era incrível, mas também a provocação feita à subprefeitura, que aprovou a criação de uma linha de ônibus, mas nunca tirou o projeto do papel. Inclusive, dei uma ligada para a assessoria de imprensa perguntando sobre a estrada, sobre uma ponte totalmente zoada e perigosa e sobre a linha de ônibus fantasma, mas eles disseram que às cinco da tarde é difícil encontrar as pessoas que poderiam responder por isso. Ué, meu Brasil lindo, horário comercial não existe para funcionário público?

E lá fomos nós fazer o trajeto. O clima dentro do pequeno busão (escrevo como quiser) era animado. Senhoras, senhores, crianças, cortinas vermelhas e azuis, jornalistas, fotógrafos. Pouca ventilação, um calor do cão, mas todo mundo feliz e balangando estrada adentro.

Maria Nascimento, integrante da comissão de moradores.

“Aqui, as pessoas andam cerca de 15 km. Não tem lazer, educação, cultura. As pessoas são isoladas. Até existem coisas gratuitas, mas não temos como nos locomover. Os jovens conseguem emprego, mas não conseguem transporte para ir trabalhar. Eles perdem a motivação”, me contou Maria Nascimento, integrante da comissão de moradores. Conversei com algumas mulheres sobre os principais empecilhos causados pela distância enorme entre tudo o que existe na região e a falta de transporte. A maioria falou sobre como é difícil ir até o posto de saúde. “Uma senhora cardíaca teve um infarto e morreu porque a ambulância do posto não pôde resgatá-la”, me disse uma delas. Quem não tem carro, se vira como dá. Alguns encaram jornadas de três a quatro horas a pé. Em emergências, geralmente se paga 20 reais por uma carona com o vizinho motorizado.


O momento mais absurdo e lisérgico do rolê no pequeno busão foi quando todos os passageiros tiveram que descer e atravessar uma ponte estreita a pé, esquema Ensaio Sobre a Cegueira. A construção do negócio encontra-se tão precarizada que é perigoso passar por ali com um veículo pesado. A questão é que a ponte não tinha nenhuma cerca e, pasmem, havia buracos no meio dela. Sim, buracos enormes. Sem contar que uma madeira improvisada sustentava boa parte do peso daquela lamentável construção sucateada.

Ali, nem todo mundo sabia exatamente que as manifestações de junho foram puxadas pela garotada do MPL e resultaram na revogação do aumento da tarifa do transporte coletivo. Mas todos pareciam gratos, inclusive a Maria. “Eles contribuem muito com nós. Quando pensamos em desistir, eles nos apoiam e dizem ‘isso é um direito de vocês’.”


Infelizmente, o pequeno busão autogestionado onde todos são bem-vindos não irá acontecer novamente, mas a comissão de moradores e o MPL já chamaram um novo encontro para o dia 19, sábado. Pode ser uma pressão singela, mas se tem a mão dos jovens arautos do transporte coletivo, provavelmente será contínua.

(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17154)

sábado, 29 de março de 2014

Transporte público elétrico, o novo passo do Uruguai (Inés Acosta)

140327-onibusUruguay

Em luta por matriz energética limpa, Montevidéu testa ônibus e táxis alimentados na tomada e descobre: subsídio oculto à gasolina é maior que imaginado

Por Inés Acosta, no Envolverde

Substituir pouco a pouco o petróleo pela energia elétrica no transporte público é a aposta do Uruguai, que atualmente avalia o rendimento e os custos de incorporar essa tecnologia. Os testes mostram que o ônibus elétrico pode reduzir entre seis e oito vezes o custo de funcionamento de um modelo a diesel.

No final de 2013, foram feitas provas de rendimento e autonomia de um automóvel modelo E6 e de um ônibus K9 da empresa chinesa BYD. E no dia 13 deste mês os resultados foram divulgados. A análise econômica do rendimento dos veículos elétricos, realizada pela prefeitura de Montevidéu, deu resultados positivos. Mas alerta-se que é preciso projetar mecanismos para enfrentar o investimento inicial e redefinir o alcance de subsídios e impostos.

O benefício econômico geral de um ônibus elétrico é de 1,7 ponto frente a um motor a diesel, segundo esse estudo que levou em conta custos de aquisição, manutenção e funcionamento dos diferentes tipos de veículos no atual cenário fiscal e de subsídios. Nos táxis, a diferença é de 1,8 para um entre os elétricos e os movidos à gasolina, e de 1,4 para um com relação aos que usam diesel.

Quanto ao gasto energético, é seis vezes menor no motor elétrico com relação ao diesel. Mas 65% do gasto dos ônibus com este combustível fóssil é subsidiado pelo Estado, por isso para os empresários não é rentável mudar para a eletricidade, se não forem modificados os subsídios.

A iniciativa faz parte da política energética uruguaia, que pretende que, a partir do próximo ano, metade de sua matriz energética seja composta por fontes renováveis, com grande presença da eólica. O Grupo Mobilidade Elétrica, integrado por vários organismos nacionais e da prefeitura da capital, trabalha desde 2012 para implantar essa tecnologia, que permite, por exemplo, zero emissão de gases-estufa.

Esses veículos funcionam com um banco de baterias de lítio e fosfato de ferro, uma tecnologia biodegradável que não inclui metais pesados. O carro e o ônibus têm autonomia de 300 e 250 quilômetros por carga, respectivamente. São carregados em uma rede elétrica que deve ter potência de dez quilowatts/hora, quando a das casas uruguaias oscila entre dois e seis quilowatts/hora.

O preço é cinco vezes superior ao dos veículos movidos a combustíveis fósseis no Uruguai. Um ônibus custa US$ 500 mil e um carro US$ 60 mil, mas os gastos de funcionamento e manutenção representam apenas 10% dos com motor a diesel.

topo-posts-margem
O diretor nacional de Energia, Ramón Méndez, explicou ao Terramérica que uma carga completa da bateria de um automóvel, com tarifa padrão uruguaia, custaria cerca de US$ 10. Além disso, acrescentou, o país poderia assumir o consumo energético, porque em 2015 se converterá em exportador de energia. Desde 2005, o “Uruguai está instalando tanta quantidade de geração elétrica nova quanto foi feito nos cem anos anteriores da história elétrica de nosso país”, destacou.

O transporte absorve um terço da energia que se consome. “Anualmente, são gastos mais de US$ 2 bilhões em combustível”, afirmou Méndez. Por isso, o que se fizer “no setor poderá significar centenas de milhões de dólares de economia a cada ano para o país”, acrescentou, ressaltando que “o veículo elétrico é o caminho para onde o mundo em geral, e o Uruguai em particular, irão”.

Com veículos elétricos, o transporte, que agora depende de derivados de petróleo, passaria a funcionar a partir de fontes como eólica, biomassa e fotovoltaica. “Isso significa redução de custos e mais soberania”, destacou o chefe da Direção Nacional de Energia. Ele acrescentou que, “enquanto não encontrarmos petróleo em nosso país, em lugar de depender do que temos que importar a preço elevado e totalmente incerto, podemos ter a garantia de que instalamos mais parques eólicos e podemos também atender as necessidades do transporte”.

Mas são necessários ajustes. O Uruguai gasta US$ 100 milhões anuais com subsídio para o diesel no transporte público, explicou ao Terramérica o diretor de Mobilidade da Prefeitura, Néstor Campal. “Se esse dinheiro for usado de outra forma, melhorando a infraestrutura para os veículos elétricos, cujo custo operacional é menor, ganharemos uma tecnologia com muitíssimos benefícios ambientais e de outras naturezas”, afirmou. A seu ver, deve-se modificar a legislação “para que o subsídio opere equilibrando os dois sistemas”.

O ministro dos Transportes, Enrique Pintado, declarou que o “subsídio recebido pelo transporte não pode ter o contrassenso de ‘quanto mais gastar mais subsídio terá’. É preciso ter prêmios para a redução do consumo”. Ele também afirmou que o preço da passagem “tem de baixar não por força de subsídios, mas em função de um preço menor na realidade. Isso significa ser muito mais eficiente na gestão das empresas e na baixa dos custos energéticos, de insumos e das unidades”.

“Estamos assentando as bases para os próximos governos departamental e nacional serem capazes de concretizar o que hoje estamos lançando”, afirmou Pintado durante a apresentação da avaliação dos veículos elétricos. O custo tributário é outro aspecto que deve ser revisto para promover a mobilidade elétrica. A tarifa de importação dos ônibus elétricos é de 23% e para os movidos a diesel é de 6%, e estes estão isentos do imposto específico interno (Imesi). Já os táxis elétricos importados têm um Imesi preferencial de 5,75%, contra ao de 11,5% para os movidos a motor diesel.

Para definir benefícios fiscais a fim de promover essa tecnologia, o Ministério da Economia e das Finanças se integrará ao Grupo Mobilidade Elétrica.

Táxis primeiro

Este ano começarão a circular na capital uruguaia os primeiros 50 táxis elétricos. Também nas frotas de Bogotá e Londres estão sendo incorporados veículos elétricos, destacou Campal. Já circulam em Hong Kong e na cidade chinesa de Shenzhen, onde são fabricados.

Porém, ainda não está definido como serão implantados os pontos de carga das baterias para táxis e ônibus, pontuou Méndez. Além disso, a empresa estatal de eletricidade adquiriu 30 caminhonetes elétricas Kangoo Maxi Z.E., da empresa francesa Renault, para sua frota de trabalho. Envolverde/Terramérica

(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=16957)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

O Passe Livre (Michael Löwy)

140116-MPL4b

Para sociólogo, movimento reúne duas marcas contemporâneas e transformadoras: atitude libertária e pauta tóxica… para o capitalismo

Por Michael Löwy, Mediapart | Tradução Caipora (MPL-Rio)

A luta do Movimento Passe Livre (MPL) – movimento pelo transporte público gratuito – contra o aumento dos preços das passagens foi a que desencadeou a ampla e impressionante mobilização popular no Brasil no último mês de junho, que levou às ruas centenas de milhares, quando não milhões, de pessoas nas principais cidades do país. O MPL foi uma pequena faísca libertária que provocou o incêndio. Quais lições podem ser tiradas desta experiência e qual é o alcance social, ecológico e político da luta pelo transporte gratuito?

O MPL foi fundado em janeiro de 2005, por ocasião do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, como uma rede federativa de coletivos locais. Estes coletivos já existiam há vários anos e levaram a cabo importantes lutas como a de Salvador (BA) em 2003, contra o aumento das passagens de ônibus. A carta de princípios do MPL (revisada e completa em 2007 e 2013) o define como um “movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, mas não antipartidário”.

topo-posts-margem
A horizontalidade é, sem dúvida, a expressão de um projeto libertário que desconfia das estruturas e instituições “verticais” e “centralizadas”. A autonomia em relação aos partidos significa a negação em ser instrumentalizado por estes últimos, mas o movimento não recusa a colaboração e a ação comum com as organizações políticas, em particular as da esquerda radical. Atua em conjunto também com associações de bairros populares, com movimentos pelo direito à moradia, com as redes de luta pela saúde e com certos sindicatos (trabalhadores do metrô, professores). Enxerga no transporte gratuito não um fim, mas um “meio para a construção de uma sociedade diferente”. Pequena, a rede nunca superou algumas centenas de militantes, advindos primeiro das instituições de ensino e mais tarde dos bairros populares. De sensibilidade anticapitalista libertária, os ativistas têm diferentes origens políticas: trotskystas, anarquistas, altermundialistas, neozapatistas; com um toque de humor, alguns se definem “anarco-marxistas punk”. Em novembro de 2013 realizou, pela primeira vez, uma Conferência Nacional em Brasília – graças ao apoio financeiro da filial brasileira da Fundação Rosa Luxemburgo – com a participação de 150 delegados, que representaram 14 coletivos locais. Foram adotadas, através de consenso, algumas resoluções e formou-se um grupo de trabalho, composto por representantes dos coletivos, que coordenará as iniciativas, respeitando a autonomia e a “horizontalidade”. (Obtivemos estas informações em duas reuniões com militantes do MPL em São Paulo, Brasil, em novembro de 2013).

O método de luta do MPL é também de inspiração libertária: a ação direta nas ruas, geralmente lúdica e ousada, mais do que a “negociação” ou o “diálogo” com as autoridades. Os militantes não cultuam nem a violência, nem a não violência; uma de suas ações típicas é bloquear as ruas, ao som de grupos musicais, colocando fogo em pneus e “catracas”. Este termo, intraduzível, significa no Brasil um torno metálico giratório, bem firme, que fica em todos os ônibus, o qual não se pode atravessar antes de pagar a passagem ao cobrador. O símbolo do MPL é uma “catraca” em chamas… É bom lembrar que o transporte público, que em sua origem era um serviço público, foi privatizado em todas as cidades do país e pertence a empresas capitalistas de práticas mafiosas. As prefeituras têm, no entanto, controle sobre o preço das passagens.

A inteligência tática do MPL foi colocar como prioridade um objetivo concreto e imediato: barrar o aumento do preço das passagens decidido pelas autoridades locais nas principais cidades do país, tanto as geridas pela centro-direita como pela centro-esquerda (o Partido dos Trabalhadores, que se tornou social-liberal). Recusando os argumentos pretensamente “técnicos” e “racionais” das autoridades, o MPL mobilizou milhares de manifestantes, que foram duramente reprimidos pela polícia. Estes primeiros milhares de manifestantes se tornaram dezenas de milhares e logo milhões (com o preço, certamente, de algum esvaziamento político), e os poderes locais se viram obrigados, precipitadamente, a cancelar os aumentos. Primeira lição importante: a luta pode ser ganha, e fazer com que as autoridades responsáveis retrocedam!

Uma vez que assumiu este combate prático e urgente, o MPL não deixou em nenhum momento de destacar seu objetivo estratégico: a tarifa zero, o transporte público gratuito. Para eles é preciso, segundo a Carta de Princípios, “retirar o transporte público do setor privado colocando-o sob o controle dos trabalhadores e da população”. É o que os militantes do MPL chamam “perspectiva classista” de sua luta. É uma exigência de justiça social elementar: o preço do transporte é proibitivo para as camadas mais pobres da população, que vivem nas periferias degradadas das grandes cidades, e dependem do transporte público para trabalhar ou estudar. É uma reivindicação que interessa diretamente aos jovens, aos trabalhadores, às mulheres, aos habitantes das favelas, ou seja, a grande maioria da população urbana.

Mas a tarifa zero também é uma pauta profundamente subversiva e antissistema, no sentido do que se poderia chamar um método de programa de transição: como observa a carta de princípios “deve-se construir o MPL com reivindicações que ultrapassem os limites do capitalismo, vindo a se somar a movimentos revolucionários que contestam a ordem vigente”. É um simpático exemplo do que o filósofo marxista Ernst Bloch chamava utopia concreta. Certamente há cidades no Brasil ou na Europa em que esta proposta pôde se realizar. Numerosos estudos especializados demonstram que ela é completamente possível, sem causar déficit às administradoras locais. Não deixa de fazer sentido que a gratuidade é um princípio revolucionário, que se contrapõe à lógica capitalista, na qual tudo deve ser uma mercadoria; é, portanto, um conceito insuportável, inaceitável e absurdo para a razão mercantil do sistema. Mais ainda quando, como propõe o MPL, a gratuidade dos transportes é um precedente que pode abrir caminho à gratuidade de outros serviços públicos: educação, saúde, etc. De fato, a gratuidade é o presságio de uma sociedade diferente, baseada em outros valores e outras regras diferentes das do mercado e da ganância capitalistas. Daí a resistência desesperada das “autoridades”, tanto conservadoras, como neoliberais, “reformistas”, de centro ou social-liberais.

Existe ainda outra dimensão da reivindicação pelo transporte gratuito, que até o momento não foi suficientemente defendida pelo MPL (mas que começa a se dar conta): o aspecto ecológico. O atual sistema, totalmente irracional, de desenvolvimento ilimitado do uso do carro individual, é um desastre pelo ponto de vista da saúde dos habitantes das grandes cidades – milhares de mortos por causa da poluição do ar diretamente provocada pelos escapamentos – e pelo ponto de vista ambiental. Como se sabe, o carro é um dos principais emissores de gás com efeito estufa, responsável pela catástrofe ecológica das mudanças climáticas. O carro continua sendo, desde o fordismo até hoje, a mercadoria de destaque do sistema capitalista mundial; consequentemente, as cidades estão completamente organizadas em função da circulação de automóveis. Agora bem, todos os estudos mostram que um sistema de transporte coletivo eficaz, universal e gratuito, permitiria reduzir significativamente o uso do transporte individual. O que esta em jogo não é só o preço da passagem de ônibus ou de metrô, mas outro modo de vida urbana, sensivelmente, outro modo de vida.

Em resumo: a luta pelo transporte público gratuito é, de uma só vez, um combate pela justiça social, pelos interesses dos jovens e dos trabalhadores, pelo princípio da gratuidade, pela saúde pública, pela defesa dos equilíbrios ecológicos. Permite que se formem amplas frentes e se abram brechas na irracionalidade do sistema mercantil. Não deveríamos, na França e em toda a Europa, nos inspirar no exemplo do MPL impulsionando em nossas cidades movimentos amplos, unitários, autônomos, de luta pela gratuidade dos transportes públicos?

(Disponível em: http://outraspalavras.net/destaques/o-passe-livre-segundo-michael-lowy/)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O vagão para mulheres só anda para trás (Marília Moschkovich)

(Disponível em: http://outraspalavras.net/destaques/o-vagao-para-mulheres-so-anda-para-tras/)

Segregar transporte público é sugerir, como outrora, que mulheres são culpadas pela própria sexualidade – e pela dos homens…

Por Marília Moschkovich, na coluna Mulher Alternativa

No Rio de Janeiro já funciona há 7 anos, no metrô, um vagão exclusivo para mulheres. Desde o meio deste ano, o metrô do DF adotou a mesma medida e um projeto de lei tramita no estado de São Paulo para que o mesmo seja feito. O “vagão rosa”, como é conhecido em alguns lugares, já foi implementado no Japão, Egito, Índia, Irã, Indonésia, Filipinas, México, Malásia e em Dubai. Geralmente funcionam assim: nos horários de pico apenas ou prioritariamente mulheres podem ocupar o espaço do vagão. Isso garantiria, a princípio, que não fossem assediadas nos trens.

O fato de apenas países de cultura sabidamente machista terem implementado esse tipo de política pública não é uma coincidência. Observando um pouco mais de perto a questão, fica claro que além de não resolver nada e reforçar a heteronormatividade e o próprio machismo, os vagões exclusivos ainda fomentam uma outra forma de opressão de gênero. Acompanhem meu raciocínio.

Assédio, em todos os níveis

Quem nunca viveu ou viu uma situação de assédio em transporte público lotado? Em geral os assediadores aproveitam-se da superlotação dos trens para agir. Na cabeça dessas criaturas bizarras, as mulheres são corpos disponíveis, que existem no mundo para agradá-los. Essa é a faceta mais perversa do machismo estrutural, reproduzida e reforçada por homens que muitas vezes, na melhor das intenções, se dizem feministas: a ideia de que eles podem pautar o corpo e o comportamento das mulheres de alguma forma. Esse princípio está por trás de textos machistas do escritor Xico Sá, de versos de Vinicius de Moraes, mas também orienta ações como a de estupradores e assediadores (físicos e verbais) em todos os dias de nossas vidas.

Recentemente a força que esse princípio tem na cultura brasileira ficou evidente, quando os resultados da campanha “Chega de Fiu-Fiu”, do blog ThinkOlga, foram divulgados. Houve muita resistência de diversos homens em aceitar que aquela cantadinha que parece inofensiva acaba limitando a liberdade das mulheres de andarem como quiserem, por onde quiserem, na hora que quiserem. A grande maioria se recusa ainda a entender que nós mulheres não queremos sua opinião sobre como nos vestimos, sobre nossa aparência física, exceto em alguns contextos muito específicos. Quer dizer: novamente, as mulheres existem para os homens, na cabeça de tais espíritos sem luz.

O assédio é frequente, em diversos níveis. Qualquer mulher sabe disso, na pele. Então por que uma medida que (em tese) visa combater o assédio é mal-vista por tantas feministas? As feministas endoidaram de vez?

Os problemas da política dos vagões exclusivos

Para o azar de quem nos odeia, nós feministas ainda não perdemos de vez o bom senso. Vejam só: ao propor a separação de homens e mulheres como solução para o assédio, a política dos vagões exclusivos pressupõe três coisas – e é nessas três coisas que reside a opressão de gênero da questão.

Em primeiro lugar, os vagões exclusivos culpabilizam as mulheres pelo próprio assédio. A questão é abordada como se elas fossem o problema da coisa toda. Essa pressuposição fica clara na ideia de que as mulheres devem ser separadas da “população normal” (ou seja: homens; vejam lá Simone de Beauvoir com seu Segundo Sexo). Separar as mulheres – que são em geral as vítimas da agressão – significa dar liberdade aos algozes.

Quer dizer, os homens que assediam podem continuar assediando em outros espaços, sem que isso tenha nenhum tipo de punição. São comuns os relatos de recusa da segurança do metrô – e das polícias civil e militar – em tomar providências em casos de assédio. Muito comuns. Não é preciso ser nenhum gênio para encontrá-los no bom e velho Google (fica a dica).

Ao mesmo tempo as mulheres, que sofrem as agressões, são confinadas a um espaço limitado. Quer dizer: além dos assédios que limitam nossa liberdade, as políticas públicas que deveriam combatê-los fazem o mesmo. Não faz o menor sentido, não tem a menor lógica. Para sermos livres precisamos ser menos livres – é isso, mesmo?

Esse tipo de inversão cruel e bizarra acontece em várias outras situações de culpabilização das mulheres. Nas sociedades de cultura machista como a nossa, as mulheres são culpadas pela própria sexualidade – e pela sexualidade dos homens também. Assim, quando sofrem agressões, a solução é limitar, fiscalizar e controlar o corpo e as atitudes delas. Jamais o comportamento dos homens.

Daqui derivamos mais uma pressuposição problemática das políticas de vagões exclusivos: a de que seria natural dos homens não se controlarem sexualmente. Essa pressuposição é problemática em todos os níveis possíveis. Pra começo de conversa, porque trata o assédio e o estupro como se fossem parte do sexo, como se estivessem relacionados a desejo sexual e não a uma opressão e a uma questão de poder (três textos excelentes sobre isso, se você ainda não leu: no Biscate Social Club, na revista Fórum e no Bidê Brasil).

Além desse problemão, a proposta de segregar vagões nos diz que o fato de alguém “ser homem” (o que quer que isso queira dizer – falo brevemente disso em seguida) faz com que necessariamente vá assediar e estuprar mulheres. Não preciso dizer o quão irreal é essa suposição, certo? Há muitos homens que não estupram e um bom tanto que não assediam, nem o farão ao longo de sua vida. Só não arrisco dizer que são maioria ou minoria porque, de fato, não há dados estatística e sociologicamente confiáveis sobre isso (lembrando que ser condenado criminalmente por algo não significa que a pessoa realmente fez, nem que quem não foi condenado deixou de fazer).

Ainda mais fora da realidade do que isso, é a terceira suposição implícita nas políticas de vagões exclusivos para mulheres: a de que homens necessariamente têm desejo sexual por mulheres, e vice-versa. Chamamos essa pressuposição de “heteronormatividade”, e ela aparece também em vários outros contextos em nossa sociedade.

Separar as mulheres dos homens no transporte público, além de tudo que já mencionei, ainda reforça essa ideia retrógrada e surreal de que a heterossexualidade e heteroafetividade são o “normal”, o “natural”, e de que relacionamentos gays e lésbicos são exceção, aberração, etc. Ou seja, no fim das contas, políticas como essa do vagão exclusivo estão muito mais para Marco Feliciano do que para Simone de Beauvoir. Sacaram?

Ao criar esse vagões, assumimos que não haverá “desejo sexual” (ainda supondo que seja essa a questão do assédio – que, sabemos, não é) entre mulheres. Nem entre homens. Fingimos que também não existem vários tipos de assédio contra outras minorias no transporte público e no resto da sociedade brasileira (quem lembra de um adolescente que foi jogado de um trem por skinheads que encasquetaram que ele era gay, há uns anos atrás, em São Paulo?). Não vou nem me atrever a tocar na questão dos estupros corretivos a gays e lésbicas.

Dentro dessas minorias outras, talvez a que mais de ferre com essa separação dos vagões sejam os homens e mulheres trans*. Além dessas três suposições problemáticas das políticas de vagões exclusivos, então, temos mais um problema grave que elas alimentam: como definir quem é mulher e quem não é? Quem tem esse poder?

Na semana passada, uma mulher foi expulsa do vagão exclusivo no metrô do DF porque os seguranças do metrô “decidiram” que ela não era mulher. A definição dessa categoria – “mulher” – não é nada simples, e filósofas, antropólogas e militantes feministas de diversas áreas e profissões debatem exaustivamente a questão há décadas. Certamente na legislação dos vagões não há uma definição sequer sobre o que qualifica alguém de “mulher” e portanto dá acesso ao tal vagão exclusivo.

A classificação acaba sendo feita arbitrariamente pela aparência, portanto. Mas é a aparência que define se alguém é ou não é mulher? Definitivamente, não. O que define o gênero das pessoas é a identidade que cada um constrói para si com o passar dos anos. Dar aos seguranças do metrô o poder de definir quem é mulher, é retirar de cada um a possibilidade de viver sua identidade e sua expressão de gênero. É uma forma de dominação das mais abusivas e cruéis.

Sem nem entrar na discussão de que a identidade de gênero não precisa ser binária (homem ou mulher), e nem fixa para a vida toda, já temos bastante motivo ver que os vagões exclusivos são uma violência contra quaisquer pessoas que não sejam homens cissexuais, de aparência e comportamento lidos como suficientemente “masculinos”.

O vagão exclusivo para mulheres é, portanto, um retrocesso para as relações e opressões de gênero de todos os tipos, já tão consolidadas na cultura brasileira. Tudo o que não precisamos agora, enquanto tramitam o estatuto do nascituro e outros absurdos no Congresso, é de retrocesso.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Mobilidade urbana: os chineses pensam num novo veículo (Jéssica Lipinski)

(Disponível em: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/mobilidade-os-chineses-pensam-num-novo-veiculo/)

131015-China
Híbrido entre metrô e ônibus, ele trafegará sobre trilhos, acima dos automóveis. Pode ser implantado rapidamente, a custo relativamente baixo — mas transporta até 1200 passageiros
Por Jéssica Lipinski no Instituto CarbonoBrasil
Com o excesso de carros nas ruas, a insegurança em andar de moto ou bicicleta e as opções muitas vezes problemáticas dos transportes públicos, é comum se perguntar se há algum meio de transporte urbano realmente eficiente. A resposta, pelo menos para os chineses, pode estar acima das ruas. Trata-se de um projeto de transporte urbano semelhante a um metrô, mas que passa por cima dos carros.
O veículo, chamado Land Air Bus, é uma mistura de ônibus e metrô, e seus trilhos ficariam localizados à margem das vias, enquanto ele passa por cima das ruas e avenidas, como se fosse um túnel.
Um dos chamarizes do projeto, além de prometer reduzir o trânsito em 30%, é o corte no uso de combustível: o veículo, que é parcialmente movido por placas solares e motor elétrico, economizaria até 860 toneladas de combustível por ano, e diminuiria a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera em 2640 toneladas anuais.
Outras vantagens são a rapidez e o preço de sua construção: enquanto que, para construir 40 quilômetros de infraestrutura de metrô seriam necessários três anos, para a implementação do Land Air Bus seria necessário apenas um ano, e custo dez vezes mais baixo.
O ônibus comporta até 1200 pessoas, divididas em quatro vagões com uma capacidade de 300 pessoas cada. O veículo possui seis metros de largura por quatro de altura e ocupa duas pistas, permitindo que carros de até dois metros de altura passem por baixo.
Ele pode chegar a até 60 quilômetros por hora, mas deve andar a uma velocidade média de 40 km/h. O Land Air Bus tem ainda um sistema que freia automaticamente em caso de emergência, como um acidente à frente.
Embora ainda não haja previsões concretas da implementação do ônibus em nenhuma cidade chinesa, o projeto está sendo apresentado no país como o futuro do transporte nas grandes cidades, e há rumores de que um trecho seria construído na cidade de Pequim.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Alternativa: limpe a cidade e viaje de graça

Reportagem original em: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/alternativa-limpe-a-cidade-e-viaje-de-graca/

Se o passe livre é uma realidade ainda distante nos principais centros urbanos do Brasil, do outro lado do mundo a situação é bem diferente: em Pequim, os habitantes já podem pagar suas passagens de metrô com garrafas PET. Até agora, foram instalados postos de troca nas estações de Jinsong e Shaoyaoju, mas o objetivo é levar a iniciativa a todas as paradas de metrô e aos pontos de ônibus da capital chinesa.

As estações que participam da ação sustentável receberam quatro máquinas, responsáveis por  coletar as garrafas plásticas. Nos equipamentos, cada exemplar reciclado equivale a um valor tabelado, que vai desde 15 centavos de dólar a 50 centavos da mesma moeda. Assim, com até quinze garrafas, o usuário poderá se locomover por todas as oito linhas e as 105 estações disponíveis.

Depois de coletado pelas máquinas, o material reciclável é enviado a uma central de processamento, em que o plástico assume outros fins de uso. De acordo com o portal Veoverde, a ação ainda está em fase de testes, e, se tudo der certo, os criadores têm a ambição de levar o projeto para os pontos de ônibus de todo o país.

O incentivo às viagens de transporte coletivo na capital chinesa é fundamental, uma vez que o país apresenta um dos mais preocupantes índices de poluição do mundo, causado pela atividade industrial e pelo trânsito massivo. Além disso, há mais de dois anos, o governo chinês anunciou que tem o objetivo de reciclar 70% dos resíduos produzidos no país até 2015.

Uma ação realizada nas estações de metrô do Rio de Janeiro, durante o carnaval deste ano, garantiu o passe livre das pessoas que apresentassem uma latinha de cerveja vazia nas catracas. A ação tinha por objetivo convencer os frequentadores dos blocos de rua e desfiles de carnaval a não dirigirem após o consumo da bebida alcoólica.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...