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domingo, 20 de abril de 2014

Galeano fala sobre Literatura e Política (Cynara Menezes)

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Em entrevista na Bienal do Livro de Brasília, ele debate esquerda (no poder e nas letras…), futebol, idade, câncer e… Mujica!

Por Cynara Menezes, em Socialista Morena

Em 1998, entrevistei a escritora Rachel de Queiroz (1910-2003) e ela me confessou sentir “antipatia mortal” por O Quinze, o clássico da literatura brasileira que publicou aos 20 anos, em 1930, e que, desde então, seria sua “obra mais importante e mais popular” (tudo quanto é enciclopédia se refere assim ao livro). O mesmo acontece com As Veias Abertas da América Latina e o escritor uruguaio Eduardo Galeano.  Publicado em 1971, quando Galeano tinha 30 anos, a obra até hoje o persegue. É sempre nomeado como “o autor de As Veias Abertas…“, o que, pelo visto, o incomoda –mesmo porque tem mais de 30 livros além dele.

Na entrevista coletiva que deu na sexta-feira 11 em Brasília, onde veio para ser o escritor homenageado da 2ª Bienal do Livro e da Leitura, Galeano ouviu provavelmente a milionésima pergunta sobre Veias Abertas. “Faz 40 anos que você escreveu As Veias Abertas da América Latina. Quais são as veias abertas hoje em dia?” E ele, em um português bastante razoável: “Seria para mim impossível responder a uma pergunta assim, especialmente porque, depois de tantos anos, não me sinto tão ligado a esse livro como quando o escrevi. O tempo passou, comecei a tentar outras coisas, a me aproximar mais à realidade humana em geral e em especial à economia política – porque As Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu ainda não tinha a formação necessária. Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas é uma etapa superada. Eu não seria capaz de ler de novo esse livro, cairia desmaiado. Para mim essa prosa de esquerda tradicional é chatíssima. O meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro… ‘Tem alguma cama livre?’, perguntaria.” Risadas.

Aproveito e emendo: mas o que você achou de Chávez dar o livro para o Obama? Obama entenderia As Veias Abertas…? “Nem Obama nem Chávez”, responde Galeano para gargalhada geral. “Claro, porque ele entregou a Obama com a melhor intenção do mundo – Chávez era um santo, cara mais bondoso que esse eu não conheci –, mas deu de presente a Obama um livro em uma língua que ele não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel.”

Eu nunca tinha visto o grande escritor uruguaio de perto. É mais baixo do que imaginava, cerca de 1m70. Bastante frágil, aparenta ter mais do que seus 73 anos. Ele mesmo comenta que a maioria dos escritores é de esquerda e, como tal, chegados a uma boemia e isso não faz bem à saúde… Uma menina pergunta: “A idade não é boa para os jogadores de futebol. E para os escritores?” Galeano discorda. “Depende. Tem velhos muito mais jovens que os velhos velhíssimos e tem velhos que você acha que estão esperando a morte e surpreendentemente acabam ganhando uma partida por 8 a zero. Não depende da biologia nem do prognóstico dos profetas. Não depende de ninguém. O melhor que o futebol tem como esporte – a festa que o futebol é, a festa das pernas que jogam, a festa dos olhos – é a capacidade de surpresa, de assombro. Na verdade ninguém sabe o que vai acontecer. E menos ainda os especialistas. Aqueles doutores do futebol são seres temíveis, perigosíssimos para a sociedade e o mundo em geral.”

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Outro jornalista espeta: “Por que a esquerda não deu certo na América Latina?” Galeano não se faz de rogado: “Algumas vezes deu certo, algumas vezes, não. A realidade é mutável, a realidade política e todas as outras –por sorte. Senão seríamos estátuas, estaríamos congelados no tempo. Não é verdade que a esquerda não deu certo. Deu certo e muitas vezes foi demolida por ter dado certo, por ter tido razão, porque o que a esquerda predicou, em certo momento na América Latina, resultou ser a verdade, então foi punida. Punida pelos golpes de Estado, ditaduras militares, períodos prolongadíssimos de terror de Estado, crimes horrorosos cometidos em nome da paz social, do progresso. Da convivência democrática, imaginem! Que democracia e que convivência são essas? Tinham que perguntar: ‘do que está falando, senhor?’ As coisas são muito mais complexas do que parecem. Em alguns períodos, também, a esquerda comete erros gravíssimos e em outros, não, faz o que deve ser feito da melhor maneira, até além do que o próprio movimento de massas estava esperando. A realidade sempre tem esse poder de surpresa. Te surpreende com a resposta que dá a perguntas nunca formuladas. E que são as mais tentadoras. O grande estímulo para a vida está aí, na capacidade de adivinhar possíveis perguntas não formuladas.”

Galeano está cansado, foram muitas horas de viagem para chegar à capital federal, e quer encerrar a entrevista. Eu protesto: “Mas e Mujica? Você não vai falar de Mujica?” Ele não resiste e se senta de novo. “Estou meio cansado, estou fatigado de falar de Mujica, porque todo mundo fala dele! Até em outros planetas se fala de Mujica. Em Marte, Júpiter… É incrível a capacidade de ressonância que Mujica tem. E ele é muito meu amigo, já faz muitos anos. A única coisa que posso fazer para incorporar um grão de areia a esta praia imensa de Mujica caminhando pelo mundo seria contar uma piccola história que dá ideia da qualidade humana do personagem.”

E começou a narrar, saborosamente, como é de seu feitio:

“Faz uns quatro anos –não tenho interesse em lembrar direito a data– fui operado de câncer. Foi um câncer sério, agudo. Tomei uma anestesia muito forte, dessas que não desaparecem rápido. E estava sozinho na cama do hospital, esperando que passasse o efeito da anestesia. Ou seja, mais dormido do que acordado. Sem saber muito o que acontecia, onde estava, delirando. E neste período, estando sozinho em uma cama –sozinho, não, acompanhado pelo câncer, mas o câncer não é um amigo confiável. Não te recomendo. Bem, estava eu ali e volta e meia delirava. Como sou muito futeboleiro, um religioso da bola, tinha delírios futebolistas que me levaram aos anos de infância, quando jogava na rua, com bolas improvisadas, feitas com trapos velhos. E em uma dessas fugas, comecei a bater bola. Como se fosse uma múmia egípcia que tinha errado de domicílio, jogando futebol contra ninguém e sem bola nenhuma, só na imaginação. Chutava a bola e ela voltava, chutava e ela voltava. Tudo debaixo do lençol. E nada, a bola continuava, como se estivesse morta de riso da minha estupidez de achar que podia com ela. ‘Não, você não pode comigo’. Numa dessas, senti um peso em cima dos meus joelhos. Aí começo a recobrar a realidade e vejo alguém que conheço, uma voz que reconheço, de um amigo. E pergunto:

–O que você está fazendo aqui?

E ele:

–Isso é maneira de receber um amigo?

–Não importa, quero saber o que você faz aqui. Está doente também?

–Que é isso, estou saudabilíssimo. O enfermo é você.

–Estou sabendo. Obrigado pela notícia, mas já estou sabendo.

–O doente é você, está fodido, irmão. Eu vim te visitar. Agora, não sabia que se recebia um amigo assim, chutando-o, chutando-o e chutando-o. Não é muito educado.

Continuamos nessa até que eu falei:

–Olhe, chega. Sua função não é estar aqui brincando comigo. Você é o presidente da Repoública e sua função é governar. Mujica, você é o presidente! Vai governar este país já! Estamos precisando de sua participação ativa, desinteressada, importantíssima para o nosso povo. Não perca mais tempo comigo.

–Ah, bela maneira de ser amigo, hein?

–Será bela ou será feia, mas é a única maneira para você. Você é o presidente! Além disso, para piorar, todo mundo gosta de você e quer que continue sendo presidente por uns 300 anos mais. Se você não gosta, foda-se.

E aí acabou.”

Na saída, consigo falar a Eduardo Galeano do enorme prazer que sinto em conhecê-lo pessoalmente e lhe conto que adoro O Livro dos Abraços. Ele olha para mim e diz: “Eu também”.

Ufa.

(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17176)

segunda-feira, 10 de março de 2014

“É hora de repartir a riqueza” (Entrevista de Márcio Pochmann por Mariana Desidério)

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Márcio Pochmann sustenta: políticas sociais dos últimos dez anos são positivas, mas insuficientes; Reforma Tributária pode abrir caminho para mudanças profundas

Entrevista a Mariana Desidério, no Brasil de Fato

O Brasil diminuiu a desigualdade nos últimos anos e milhões de pessoas deixaram a pobreza. Porém, o país ainda está entre os vinte mais desiguais do mundo. Para avançar, uma das mudanças urgentes é a reforma tributária.

É o que diz Márcio Pochmann, um dos principais economistas do país. “Aqui, são os ricos que reclamam dos impostos, mas quem paga mais são os pobres”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato. Segundo ele, há uma grande resistência dos mais ricos em mudar essa estrutura. “Um exemplo foi a tentativa de mudar a cobrança do IPTU em São Paulo”, diz.

Pochmann é professor da Unicamp e presidente da Fundação Perseu Abramo. Foi secretário de desenvolvimento na prefeitura de Marta Suplicy em São Paulo e presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Nesta conversa, ele fala ainda sobre a importância política dos trabalhadores que saíram da pobreza nos últimos anos e analisa o fenômeno dos rolezinhos. “São manifestações que mostram a falta de espaços públicos”.

O Bolsa Família, maior programa de distribuição de renda do governo federal, completou dez anos. Porém, continuamos como um país muito desigual. Por que isso permanece?
Em 1980, nós éramos a oitava economia capitalista do mundo, tínhamos praticamente metade da população vivendo em condições de pobreza e estávamos entre os três países mais desiguais do mundo. Essa situação praticamente permaneceu durante mais de vinte anos. Foi só num período mais recente que nós conseguimos reduzir a pobreza e a desigualdade. Hoje, nós estamos entre os quinze países mais desiguais do mundo. Houve uma redução importante. E isso num período difícil em termos internacionais, devido a crise econômica de 2008.

O que dificulta que esse processo avance mais?
Existem dificuldades do ponto de vista político e cultural. Nós temos, no Brasil, uma classe média tradicional que tem uma série de assistentes na casa: trabalhadores domésticos, babá, segurança. É um conjunto de pessoas que serve à classe média e aos ricos com base em baixos salários. Com o combate à pobreza e a redução da desigualdade, essa classe média tradicional vai perdendo a capacidade de abrigar todos esses serviços. E aí há uma reação, uma resistência no interior da sociedade. E tem o preconceito também. Em geral, um segmento muito pequeno da sociedade tinha acesso ao uso do transporte aéreo, de poder viajar para outros países, por exemplo. Hoje, segmentos com menor renda também podem ter acesso. Isso gera um desconforto.

Quais medidas ainda precisam ser tomadas para diminuir essa desigualdade?
A reforma tributária certamente é uma delas. No Brasil, historicamente se arrecadou recursos tirando impostos dos pobres e se gastou mais recursos para segmentos mais privilegiados da população. Olhando os governos de 2002 para cá, o que nós tivemos foi uma melhora no perfil do gasto público. Ele se voltou mais para os segmentos mais pobres. Isso é fundamental. Mas ainda há o ponto de vista da arrecadação. Da onde vem o imposto? Nós temos no Brasil uma estrutura tributária regressiva. Os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos.

Há perspectivas de melhorar essa conta?
O caso de São Paulo me parece exemplar. Aqui houve a proposta de reajustes diferenciados do IPTU, de acordo com o grau de elevação nos valores dos imóveis. Mas isso gerou uma reação dos meios de comunicação, dos muito ricos, que praticamente impediram na justiça a possibilidade de se melhorar o perfil da arrecadação de impostos no município. A gente percebe que, no Brasil, quem mais critica os impostos são os mais ricos, justamente os que pagam menos. Nós temos aqui em São Paulo o impostômetro, que fica no centro da cidade. Na realidade nós precisaríamos de impostômetro nas favelas. Porque é lá que se paga imposto e praticamente quase nada se recebe do Estado.

Os mais pobres têm consciência de que pagam mais impostos?
Os mais ricos têm mais consciência, até porque o tipo de impostos que eles pagam são conhecidos, são sobre propriedade. Você recebe o carnê e sabe quanto paga de imposto.  A maior parte dos pobres no Brasil não tem propriedade. Então eles não têm identificação nenhuma de quanto pagam. Os impostos que os mais pobres pagam são os chamados impostos indiretos, que já estão vinculados ao preço final de um produto. Você não sabe quanto paga, por isso não gera esse questionamento.

Hoje fala-se muito da nova classe média. Há uma nova classe social em ascensão?
O que nós tivemos foi uma leva de 40 milhões de pessoas que eram considerados trabalhadores muito pobres, miseráveis, e que se transformaram em trabalhadores não pobres. Pessoas que passaram a ter um salário melhor, ter acesso à previdência social, direitos trabalhistas, creche, ampliaram o consumo. É semelhante ao que já ocorreu em outros países. Na França na década de 1950, de cada dez operários, um tinha automóvel. No final dos anos 1970, de cada dez, dez tinham automóvel. Ou seja, eles melhoraram de renda, passaram a ter um consumo que antes era visto como somente para os ricos, mas eles jamais deixaram de ser operários, trabalhadores, não mudaram de classe social.

A inclusão dessas pessoas se deu principalmente pelo consumo. Quais as conseqüências disso?
O consumo em geral é a porta de entrada. Estamos tratando de segmentos pauperizados para quem a adição de renda permite realizar demandas, até estimuladas pelos meios de comunicação, que anteriormente eram reprimidas. É natural que isso ocorra, não vejo nenhum mal. A preocupação maior é que, em algum momento, esse segmento que emergiu vai governar o Brasil. É um segmento em expansão, mais ativo, com uma série de demandas e anseios. E ele olha para a estrutura de representação que nós temos hoje, e ela não os representa.

Como assim?
Os partidos não conseguem representar esses novos segmentos, assim como os sindicatos, as associações de bairro, as instituições estudantis. Nós tivemos mais de 20 milhões de empregos abertos e a taxa de sindicalização não aumentou. Nós tivemos mais de um milhão de jovens, em geral de famílias humildes, que ascenderam ao ensino superior, através do Prouni, mas eles não foram participar das discussões estudantis. Alguma coisa está estranha. Há certo descompasso entre as instituições de representação de interesses e esses segmentos que estão emergindo. E essa é a tensão na política de hoje, saber para onde vai isso. Porque, embora não seja um contingente homogêneo, é um grupo de pessoas que, organizadamente, fará a diferença na política no Brasil. E esse é um desafio.

Vimos recentemente o fenômeno dos rolezinhos. O que esses eventos mostram sobre o momento do país?
A impressão que eu tenho é que esses movimentos expressam uma insatisfação. Acho que há neles uma crítica relativa ao grau de riqueza que o país tem, mas que não dá acesso plenamente para essa população. São manifestações que desejam mais, que cobram dos governos serviços de melhor qualidade. E não só serviços públicos. Temos hoje problemas seríssimos de serviços no país. Há uma crítica inegável aos serviços bancários no Brasil, aos serviços de telecomunicações, de saúde privada. Estamos num momento em que essa tensão em torno da questão dos serviços se associou à emergência desses novos segmentos da população. São pessoas que estão satisfeitas com a ascensão, mas querem mais.

No caso dos rolezinhos, qual seria a demanda?
Acho que é uma tensão em torno da questão do espaço público. É uma visão que se tem de que o shopping center é hoje um dos poucos espaços em que você tem segurança, tem lugares para caminhar. O que infelizmente a cidade não tem, não tem calçadas decentes, não tem um espaço público. O sonho de muitos prefeitos anteriormente era construir muitos espaços públicos, áreas de lazer, de entretenimento. Hoje isso se perdeu em nome da privatização do espaço público. É uma tensão também em torno de como ocupar o tempo livre, porque hoje praticamente inexistem oportunidades coletivas, públicas e adequadas para isso.

Dá para dizer que essa é uma das principais preocupações do jovem hoje?
Em parte sim. Mas nós ainda temos questões graves na juventude brasileira. Ainda temos um problema de desemprego. Não é um desemprego comparado ao de países europeus como Espanha e Grécia. É muito menor. Mas ainda há um problema de inserção no mercado de trabalho. Também tem a questão da qualidade do emprego. Temos empregos de baixa qualidade, principalmente para os jovens mais pobres. Ao mesmo tempo, uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra que o jovem também não quer só emprego e renda. Ele quer também um outro horizonte de vida, que ele não consegue se observar na realidade que nós vivemos hoje.

(Disponível em: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=16589)

domingo, 26 de janeiro de 2014

ZYGMUNT BAUMAN: “NOS HAN IMPUESTO QUE ERES MÁS FELIZ CUANTO MÁS CONSUMES Y MÁS COMPITES”

¿Están sexo y amor convirtiéndose en una hipoteca para la sociedad occidental?

Todos estamos hechos para amar y ser amados y no nos sentimos plenos salvo que tengamos esa persona para amar y ser amados, y también en el plano de las amistades, de las relaciones interpersonales. Cuando hablo de este término hipoteca me refiero a que para poder amar se necesitan ciertas obligaciones, un compromiso a largo plazo que puede implicar sacrificio para cuidar a la otra persona y de algún modo hipotecar tu futuro, arriesgarse. Y lo que ocurre en esta sociedad es que sobre todo los jóvenes están siendo animados a evitar un compromiso a largo plazo. La gente se junta para ver si funciona, pero si lo haces así, el más mínimo desacuerdo se convierte en un gran problema. Y esto también se refleja en las amistades, relaciones interpersonales, vecinos… Es parte también de la crisis.


¿En qué medida?

Es tremendamente importante para el futuro de la humanidad. El problema real es reemplazar las lecciones de cómo vivir que nos han sido impuestas: primero, se nos ha enseñado que para ser más feliz hay que consumir más, tener el último iPad o el último modelo de teléfono o de camiseta. En segundo lugar nos han dicho que hay que ser mejor que el otro, que hay que competir constantemente. Y estos dos caminos son dos de las causas de la crisis actual.


¿Qué caminos serían más deseables?

Buscar un sentido conjunto y unos objetivos comunes de las personas, compartiendo y debatiendo, discrepando -lo cual también da mucha felicidad-, pero estamos demasiado ocupados intentando competir. Vamos a encontrar vías todos juntos, y no sólo escuchando lo que una persona mayor como yo pueda decir. Pero sí puedo decir que una de las claves es entender que lo que da felicidad no es consumir, sino producir. Ese es el regalo.


¿En la actual sociedad de Internet seguimos siendo lo que escribimos?

Le diré que una persona adicta a Facebook puede hacer más de 200 amigos en un día. Yo en 87 años no pude hacer más de 500 amigos, y no me estoy refiriendo a ese tipo de amigos que pueden llenarte de felicidad. Los amigos de Internet no son más que amigos de red, y puedes perderlos también en un día y no estarán allí cuando los necesites. La amistad y el amor no son una cuestión de tecnología; necesitas una dedicación espiritual.


¿Está Europa hundida? ¿Va a ganar la economía la batalla frente a los valores y los derechos?

No soy un profeta, pero puedo mirar a mi alrededor y veo pocas señales de que estemos en el camino para salir de la crisis. Este colapso del crédito ha sido al final una redistribución de riqueza que ha dado más a unos pocos ricos y ha hecho más pobres a los pobres, especialmente a los jóvenes. Un 52 % de los jóvenes está sin empleo en España y eso es muy grave, no pasaba algo así desde la Segunda Guerra Mundial. Y eso los frustra, porque les quita su dignidad haciéndoles sentir que nadie les quiere, que no sirven para nada. Se está quitando riqueza a los más débiles y eso es muy peligroso; y los gobiernos sienten la presión de los bancos, de las instituciones. Y ante esto no hay caminos intermedios: o te rindes a lo que te piden los bancos y la economía, haciendo más fácil la vida a los bancos y penalizando a los débiles; o por el contrario defiendes los intereses de tu población.


¿Por qué ha venido al foro social de un festival reggae?

Creo que este tipo de puntos de encuentro con intereses comunes son muy importantes; compartiendo no sólo una música, sino también intercambiando y haciendo relaciones interpersonales. Yo he sacrificado para venir aquí, porque creo que es importante, ya que en Benicàssim hace mucho calor y soy una persona que lo pasa ciertamente mal con el calor, pero aquí estoy porque creo que es importante.


¿Qué mensaje va a trasladar a los jóvenes que van a escucharle en el foro social y que buscan respuestas, guías para salir de esta crisis, para cambiar las cosas?

Tú puedes hornear o amasar tu futuro. Es solamente tu elección, y no hay certeza, pero simplemente es una cuestión de compromiso con tu sociedad. ¿Usted conoce a un filósofo italiano que se llama Gramsci? Gramsci dijo que el único modo de predecir el futuro es organizarse y hacer que eso que quieres ocurra.


Entrevista publicada en Laprovincia.es por Nacho Martín

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

“O Brasil não será democrático se não democratizar a terra” (Entrevista com João Pedro Stédile)

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, completa trinta anos neste mês de janeiro. Sua criação foi formalizada durante um encontro realizado em Cascavel, no Paraná, entre 20 e 23 de janeiro de 1984, com a presença de quase oitenta pessoas, de diversas partes do País. Entre elas encontrava-se João Pedro Stédile, que havia começado a participar de ações em defesa da reforma agrária por meio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Teologia da Libertação.
Na entrevista abaixo, Stédile, que faz parte da coordenação nacional do MST, analisa algumas das principais mudanças ocorridas em três décadas e as perspectivas do movimento. Ele afirma que defensores da reforma agrária são minoria no governo da presidente Dilma Rousseff, que estaria privilegiando cada vez mais o agronegócio. Na avaliação dele, é uma política errada, uma vez que o agronegócio promove a concentração de terras e “dá lucro para alguns, mas condena milhões à pobreza”.
O MST surgiu numa conjuntura muita diferente. O Brasil era mais rural, o agronegócio estava menos estruturado, a produção de alimentos era precária, os índices de pobreza rural e urbana eram mais altos. De lá para cá, o agronegócio se tornou altamente competitivo, a produção de alimentos cresceu e o Brasil é apontado como uma potência mundial. Faz sentido continuar insistindo na bandeira da reforma agrária?
A reforma agrária está na ordem do dia como necessidade para construirmos uma sociedade democrática e ter o desenvolvimento social. A terra é um bem da natureza e todos os brasileiros que quiserem trabalhar na terra tem esse direito. Não é justo nem democrático que a propriedade da terra esteja cada vez mais concentrada. Em torno de 1% dos proprietários controlam metade de todas as terras. E agora, pior, estão entregando a propriedade para empresas estrangeiras em detrimento das necessidades do povo. O Brasil nunca será democrático se não democratizar o acesso à terra, para que as pessoas tenham trabalho, renda e dignidade.

Na sua avaliação, o agronegócio não contribui para o desenvolvimento do País?
O agronegócio é uma falácia. É um modelo de produção que interessa aos grandes fazendeiros e às empresas transnacionais que controlam o comércio mundial. Nos último dez anos tivemos uma enorme concentração da propriedade da terra e da produção agrícola. Cerca de 80% das terras são utilizadas apenas para soja, milho, cana, pasto e eucalipto. Tudo para exportação. É um modelo que dá lucro para alguns, mas condena à pobreza milhões. Veja o caso do Mato Grosso, tido como modelo: mais de 80% dos alimentos consumidos pelo povo dali têm que vir de outros Estados. Nós temos 40 milhões de brasileiros que dependem do Bolsa Família para comer e 18 milhões de trabalhadores adultos que não sabem ler. Foram fechadas 20 mil escolas no meio rural e os índices de pobreza não diminuíram. Essa é a consequência do agronegócio.
A maioria da população tem uma imagem favorável do agronegócio.
Ela pode até apoiar, enganada pela propaganda permanente. As consequências perversas do agronegócio atingem a toda população, quando destrói o meio ambiente e altera o clima até nas cidades, quando só produz usando venenos. Esses venenos destroem a biodiversidade, contaminam as águas e os alimentos.
A capacidade do MST para mobilizar pessoas e organizar ocupações de terras diminuiu. O Programa Bolsa Família é apontado como uma das principais causa dessa mudança. Outra causa seria o mercado de trabalho, que se tornou mais favorável à mão de obra menos qualificada, especialmente no setor da construção civil. Concorda com essa avaliação?
A diminuição das ocupações se deve a uma conjugação de diversos fatores. Do lado do latifúndio, houve uma avalanche de capital que foi para agricultura atraído pelos preços das commodities – que dão elevados lucros, aumentam o preço das terras e, com isso, bloqueiam a reforma agrária. Do lado dos trabalhadores, os salários aumentaram nas cidades, o que reforçou o êxodo rural. Há um bloqueio da reforma também no Judiciário e no Congresso, que não consegue nem regulamentar a lei que proíbe trabalho escravo. E tem a inoperância do governo, que abandonou as desapropriações. Os trabalhadores, percebendo que as desapropriações estão paradas, acabam desanimando, pois vêem seus parentes ficarem durante cinco, oito anos debaixo da lona preta, esperando por terra, sem solução. Mas tudo isso é conjuntural.
Acha que essa situação é passageira?
Sim. O problema da pobreza do campo e do número de trabalhadores rurais sem terra não foi resolvido. A retomada da luta, com mais força, é apenas uma questão de tempo.
A presidente Dilma Rousseff deixou claro desde a campanha eleitoral que não está preocupada com a criação de novos assentamentos, como quer o MST. O objetivo dela é reduzir a pobreza, com a elevação dos índices de produção das famílias já assentadas. Como vê isso?
O governo Dilma é hegemonizado pelos interesses do agronegócio. Os setores do governo que ainda defendem a reforma agraria são minoritários. O Estado brasileiro, por meio do Judiciário, do Congresso, das leis e a mídia, é controlado pela burguesia, que usa esses instrumentos para impedir a reforma. Nesse governo, a incompetência e a má vontade política são impressionantes. Há dois anos, durante uma reunião do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, a presidenta nos prometeu que iria priorizar assentamento de famílias sem terra nos projetos de irrigação do Nordeste, que é onde vivem os mais pobres. Pois bem, há 86 mil lotes vagos nos projetos há existentes, nos quais o governo poderia assentar 86 mil famílias. Mas ninguém toma providências.
Por que?
Porque, no botim dos partidos, o Ministério da Integração foi gerido a serviço das oligarquias nordestinas.
Como vê a situação dos assentamentos já existentes?
Enfrentam muitos problemas. Um deles é o da moradia. Temos um déficit de mais de 150 mil casas. Também é preciso ampliar os programas de compra direta de alimentos e da merenda escolar, uma conquista obtida durante o governo Lula. Ainda há falta de escolas no meio rural, porque o MEC continua incentivando as prefeituras a levarem as crianças para cidade, com o oferecimento de vans.
A presidente Dilma assinou um decreto determinando que os recursos destinados aos assentamentos sejam transferidos diretamente para as famílias beneficiadas, em vez de passarem antes por cooperativas, como acontecia. Isso não vai enfraquecer as cooperativas e a organização dos assentados? Acha que a medida está relacionada às afirmações de que o MST sobrevivia com o dinheiro repassado às cooperativas?
Isso é irrelevante. Os recursos de crédito nunca passaram por cooperativas e associações. O assentado precisa sempre fazer o contrato direto no banco. A não ser, em raros casos, de existência de cooperativa de crédito rural.
Ao mesmo tempo que se verifica o refluxo das ações na zona rural, aumentam as manifestações urbanas e surgem novas organizações. Como vê isso? O que achou das manifestações ocorridas em junho?
Toda mobilização social na política é muito positiva. E o lugar natural do povo participar ativamente da política é a rua. É o lugar para se manifestar, lutar e defender seus direitos e interesses. Vimos as mobilizações com bons olhos e, na maioria das cidades, nossa militância também participou. Elas deram um sinal de que precisamos de mudanças.
Que tipo de mudanças?
Nas áreas de moradia, transporte público, educação, saúde para todos, reforma agrária. Para fazer as mudanças, porém, precisamos de uma reforma política, que garanta a representatividade do povo na administração do Estado. A política foi sequestrada pelo financiamento privado das campanhas, que deixa todos os eleitos reféns de seus financiadores. Por isso, nós, dos movimentos sociais, estamos pautando a necessidade de lutarmos por uma reforma politica, que democratize a forma de eleger os representantes.
É possível fazer a reforma com esse Congresso?
Claro que não. Diante disso, estamos articulados numa grande plenária nacional de movimentos populares e entidades da sociedade para lutarmos por uma constituinte soberana e exclusiva, convocada para promover a reforma política. Durante todo esse ano vamos fazer um mutirão de debates e na semana do 7 de Setembro faremos um plebiscito popular, para que o povo vote e diga se quer ou não uma assembleia constituinte.
Acompanhe o blog pelo Twitter – @Roarruda

(Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/ha-86-mil-lotes-vagos-no-nordeste-e-ninguem-toma-providencias-diz-stedile/)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A internet e o “orgasmo democrático” (Marcos Nunes Carreiro entrevista Massimo Di Felice)

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A emergente participação em rede não produzirá novas ideologias unitárias ou revoluções, mas poderá destruir o velho jogo da governança representativa
Marcos Nunes Carreiro entrevista Massimo Di Felice

Muito se fala de como as redes sociais vêm modificando o pensamento social e ampliando a capacidade de reflexão, sobretudo dos jovens, em razão da participação fundamental da internet nas manifestações e protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses. As mani­festações já viraram pauta nas escolas e com certeza serão conhecidas das próximas gerações. Mas, afinal, qual é o papel político-social das redes sociais e da internet?
Há quem diga que o momento atual do Brasil é de orgasmo democrático, ao ver milhares de pessoas saindo às ruas em razão da situação político-econômica do país. E é realmente instigante acompanhar a efervescência da sociedade, até para quem não tem ânimo de participar. Todavia, há discordância quanto ao termo “orgasmo democrático”. O professor da Faculdade de Comu­nicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Magno Medeiros, por exemplo, diz que orgasmo é um fenômeno fugaz e de satisfação imediata, ao contrário do que vive o Brasil atualmente.
Para ele, o que ocorre, na verdade, é a erupção de uma dor crônica, sedimentada há várias décadas em torno da insatisfação em relação aos direitos de cidadania. “Direitos básicos, como ter um transporte urbano decente, como ter o direito de ser bem tratado na rede pública de saúde, como ter uma educação de qualidade e de acesso democrático a todos. O Brasil experimentou, nos últimos anos, avanços consideráveis no campo da redução das desigualdades sociais e da minimização dos bolsões de pobreza, mas os setores sociais pobres e miseráveis, que emergiram para a classe C, querem mais do que apenas consumir bens básicos como geladeira, fogão, computador, celular, etc. Eles querem ser tratados com dignidade”, diz.
Ideologia social
O autor da expressão que titula a matéria é o italiano Massimo Di Felice, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e PHD em sociologia pela Universidade Paris Descartes V, Sorbonne. Di Felice é professor da Escola de Comu­nica­ção e Artes da USP, onde fundou o Centro de Pesquisa Atopos e coordena as pesquisas “Redes digitais e sustentabilidade” e “Net-ativismo: ações colaborativas em redes digitais”.
O termo “orgasmo democrático” surgiu quando o professor foi questionado sobre como, antes, o que reunia milhares de pessoas eram ideologias políticas, e hoje já não é assim. Seria então possível afirmar que vivemos a época de um processo de criação democrática de ideologia social? Segundo Di Felice, a razão política ocidental moderna europeia, positivista e portadora de uma concepção unitária da história, criou as democracias nacionais representativas, que se articulavam pelo agenciamento da conflitualidade através dos partidos políticos e dos sindicatos. E a estrutura comunicativa dessas instituições, correspondente aos fluxos comunicativos da mídia analógica – imprensa, TV e jornais –, é centralizada e vertical, além de maniqueísta, isto é, divide e organiza o mundo em mocinhos e vilões, direita e esquerda, revolucionários e reacionários etc.
Contudo, as redes digitais criaram outros tipos de fluxo comunicativo, descentralizados, que permitem o acesso às informações e a participação de todos na construção de significados. “A razão política moderna é fálica e cristã, busca dominar o mundo, rotula pensamentos enquanto os simplifica, necessita de inimigos e promete a salvação. Já a lógica virtual é plural, se alimenta do presente e não possui ideologia, além de viver o presente ato impulsivo”, analisa.
Ele diz ser normal que a sociedade queira identificar e julgar os movimentos, rotulando-os por exemplo de “fascistas”, pois, segundo ele, a razão ordenadora odeia o novo e o que não compreende. “Porém, julgar os diversos não-movimentos que nasceram pelas redes (espontâneos e não unitários) é como julgar a emoção e a conectividade orgiástica (‘orghia’ em grego significa “sentir com”). A democracia do Brasil está passando de sua dimensão pública televisiva, eleitoral e representativa, para a dimensão digital-conectiva. O país está experimentando um orgasmo democrático. A lógica é, como diria Michel Maffesoli, dionisíaca e não ideológica.”
Segundo Di Felice, do ponto de vista sociopolítico, as arquiteturas informativas digitais e as redes sociais estão trazendo, no mundo inteiro, alterações qualitativas que podem ser classificadas em dez pontos: 1. A possibilidade técnica do acesso de todos a todas as informações; 2. O debate coletivo em rede sobre a questões de interesse público; 3. O fim do monopólio do controle e do agenciamento das informações por parte dos monopólios econômicos e políticos das empresas de comunicação; 4. O fim dos pontos de vista centrais e das ideologias políticas modernas (seja de esquerda ou direita) que tinham a pretensão de controlar e agenciar a conflitualidade social; 5. O fim dos partidos políticos e da cultura representativa de massa que ordenavam e controlavam a participação dos cidadãos, limitando-a ao voto a cada quatro anos.
A partir do sexto ponto, o professor classifica aquilo que trata da evolução sistêmica: 6. O advento de uma lógica social conectiva que se expressa na capacidade que as redes sociais digitais têm de reunir, em tempo real, uma grande quantidade de setores diversos e heterogêneos da população em torno de temáticas de interesse comum; 7. A passagem de um tipo de imaginário político baseado na representação identitária e dialética (esquerda-direita; progressistas-reacionários, etc.) para uma lógica experiencial, conectiva e tecno-colaborativa, que se articula não mais através das ideologias, mas através da experiência entre indivíduos, informações e territórios; 8. O advento de um novo tipo de gestão pública e de democracia; 9. A transformação da relação entre político e cidadão e do papel dos eleitos, que passam a ser considerados não mais como representantes do poder absoluto, mas porta-vozes e meros executores da vontade popular que os vigia a cada decisão; 10. A passagem de um imaginário político, baseado em uma esfera pública na qual a participação dos cidadãos era apenas opinativa, para formas de deliberação coletiva e práticas de decisão colaborativas que se articulam autonomamente nas redes. Acompanhe a entrevista:
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Os protestos são organizados nas redes, mas nota-se que há líderes surgindo nas ruas. Como o senhor vê isso?
Os movimentos nascem nas redes, atuam em ruas, mas não em ruas comuns. Eles atuam em “ruas conectadas” e reproduzindo em tempo real, nas redes, os acontecimentos das manifestações. Através da computação móvel, debatem e buscam soluções continuamente, expressando uma original forma de relação tecno-humana e inaugurando o advento de uma dimensão meta-geográfica e atópica (do greco a-topos: lugar indescritível, lugar estranho, fora do comum).  Embora o sociólogo espanhol Manuel Castells defenda que os movimentos sociais contemporâneos nascem nas redes e que somente depois, nas ruas, ganham maior visibilidade, não me parece ser esta a sua descrição mais apropriada. Ao contrário: o que está acontecendo em todas as ruas, em diversos países do mundo, é o advento de uma dimensão imersiva e informativa do conflito, que se exprime numa espacialidade plural, conectiva e informativa. Os manifestantes habitam espaços estendidos, decidem suas estratégias e seus movimentos nas ruas através da interação contínua nas “social networks” e da troca instantânea de informações. Não somente se deslocam conectados, mas a manifestação é tal e acontece de fato somente se é postada na rede, tornando-se novamente digital, isto é, informação. Não é mais possível pensar em espaços físicos versus espaços informativos. Os conflitos são informativos. Jogos de trocas entre corpos e circuitos informativos, experimentações do surgimento de uma carne informatizada, que experimenta as suas múltiplas dimensões: a informativa digital e a sangrenta material, golpeada e machucada. Ambas são reais e nenhuma é separada da outra, mas cada uma ganha a sua “veracidade” no seu agenciamento com a outra.
Todos esses dias de junho, em São Paulo, e em muitas outras capitais,  jogamos  games coletivos – todos fomos conectados a circuitos de informações, espaços e curtos-circuitos que alteravam nossos movimentos segundo as imagens e as interações dos demais membros do jogo. Todos experimentamos a nossa plural e interativa condição habitativa. O sangue dos manifestantes, golpeados pelos policiais, não caía apenas no chão das ruas, mas se derramava em espacialidades informativas. A polícia, através da computação móvel e das conexões instantâneas, tornou-se mídia, cúmplice de um ato informativo, e os manifestantes experimentaram o prazer de transformar seus corpos em informação. Transformar a polícia em mídia foi uma das grandes contribuições destes movimentos, que não possuem líderes nem direção única. Todas as tentativas oportunistas de direcionar e organizar os conjuntos de movimentos serão desmascaradas. Estamos falando da sociedade civil conectada e não deste ou daquele movimento social. Os atores destes movimentos, portanto, não são apenas os humanos, menos ainda alguns líderes. Não estamos falando de movimentos tradicionais que aconteciam nos espaços urbanos e industriais. Estamos, de fato, já em outro mundo.
Fora das redes, ainda há muita gente sem entender o que as manifestações significam, ou como elas surgiram. No ambiente virtual, há maior entendimento sobre o tema?
As manifestações do Brasil são expressões de uma transformação qualitativa que desde o advento da internet altera a forma de participação e o significado da ação social. O Centro de Pesquisa Atopos, da Universidade de São Paulo, está finalizando uma pesquisa internacional sobre o tema, com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
A pesquisa analisou as principais formas de net- ativismo em quatro países (Brasil, França, Itália e Portugal). Os resultados são interessantes e mostram claramente alguns elementos comuns que, mesmo em contextos diferentes, se reproduzem e aparecem como caraterísticas parecidas. Isso sublinha, mais uma vez, a importância das redes de conectividade e as caraterísticas tecno-informativas dessas expressões de conflitualidade que surgem na origem, na organização e nas formas de atuação destes movimentos. Em síntese, as principais caraterísticas comuns a todos eles são as seguintes: 1. O net-ativismo se coloca fora da tradição política moderna, pois expressa um novo tipo de conflitualidade que não tem como objetivo a disputa pelo poder. Todos os movimentos que marcam as diversas formas de conflitualidade contemporânea (os Zapatistas, os Indignados, Occupy Wall Street, Anonymous, M15 etc.) não têm como objetivo tornar-se partidos políticos e concorrer nas eleições. São todos explicitamente apartidários e contra a classe política. Reúnem-se todos contra a corrupção, os abusos e a incapacidade dessas mesmas classes políticas e de seus representantes; 2. São movimentos e ações que não estão organizados de forma tradicional, isto é, não são homogêneos, compostos por pessoas que se reconhecem na mesma ideologia ou em torno do mesmo projeto político. Ao contrário: são formas de protesto compostas por diversos atores e nos quais, como numa arquitetura reticular, as contraposições não são dialéticas e não inviabilizam a ação; 3. Possuem uma forma organizativa informal e, sobretudo, sem líderes e sem hierarquias; 4. O anonimato é um valor, não somente porque permite a defesa perante ações repressivas, mas porque é a forma através da qual é defendida a não-identidade, coletiva ou individual, de seus membros e das ações. Na tradição das ações net-ativistas, a ausência de identidade e a não visibilidade é o meio através do qual a conflitualidade não se institucionaliza, tornando-se, assim, irreconhecível, não identificável e capaz de conservar a sua própria eficácia conflitiva; 5. São movimentos ou ações temporários e, portanto, não duradouros, cujas finalidades e ambições máximas são o próprio desaparecimento.
Estes e outros elementos que encontramos em todas as ações net-ativistas são parte, já, de uma tradição que possui textos e reflexões que vão desde o cyberpunk até as contribuições de Hakim Bey, a guerrilha midiática de Luther Blisset, até a conflitualidade informativa zapatista. Os Anonymous e os Indignados e as diversas formas de conflitualidade digital contemporâneas são, na sua especificidade, a continuação disso. Não há uniformidade, nem pertença de nenhum tipo, mas inspiração.
A questão informativa é a grande façanha da tecnologia? 
Na teoria da opinião pública, estamos assistindo a uma grande passagem do líder de opinião para o empreendedor cognitivo. O líder de opinião ganhava seu poder de persuasão através do poder midiático que lhe permitia, de forma privilegiada, através da TV ou das páginas de um jornal, alcançar grande parte da população de um país. Esta figura, geralmente um comentarista, um cientista político, um profissional da comunicação, um político ou uma personalidade pública, é hoje substituído no interior das novas dinâmicas dos fluxos informativos por outro tipo de informante e de mediador. Este é aquele que, por ter vivenciado ou por ter sido o próprio protagonista de um acontecimento, distribui, através das mídias digitais, diretamente, sem mediações, o acontecimento.
É o caso dos manifestantes que postaram tudo o que aconteceu nas ruas durante as manifestações. Nenhum comentarista ou líder de opinião conseguiu competir e disputar com eles outra versão dos acontecimentos. Eles, os manifestantes, fizeram a cobertura do evento com seus celulares, suas câmeras baratas, a partir do próprio lugar dos acontecimentos, ao vivo. A maioria das informações que circulavam foi produzida por eles. Isso foi possível porque existe uma tecnologia que permite que isso seja possível. Isto é, também um fato político que quebra em pedaços décadas de estudos sociológicos sobre a relação entre mídia e política, entre mídia e poder. A grande transformação que as redes digitais produzem é a interatividade. As pessoas conectadas buscam suas informações, as ordenam, obtêm mais fontes e elementos para avaliá-las. Digamos que, tendencialmente, a população é mais consciente, pois tem acesso direto a uma quantidade infinita de informações sobre qualquer tipo de assunto, tornando-se eles mesmos editores e criadores de conteúdo. Da mesma maneira, pelos mesmos dinamismos informativos, eles se tornam políticos, administradores e transformadores de suas cidades ou de suas localidades.
O senhor é europeu, mas vive há muitos anos na América Latina. Como difere o processo de expressão massiva entre os dois continentes?
Absolutamente não se distingue. Os movimentos possuem todos eles as mesmas características. Em cada país temos situações específicas e atores diferentes, mas que atuam de maneira análoga: através das redes digitais. Possuem a mesma específica forma de organização coletiva: não institucionalizada e sem hierarquia. Expressam as mesmas reivindicações: contra a corrupção dos partidos políticos, por maior transparência e eficiência, melhor qualidade dos serviços públicos. Desconfiam todos de seus representantes e querem decidir diretamente sobre os assuntos que lhes interessam.
Quais as consequências dessa posição que as manifestações assumem?
A rede é o “Além do Homem” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Não é fácil, no seu interior, construir éticas coletivas, nem majoritárias, pois o seu dinamismo é emergente e sua forma, temporária. A participação em rede não irá produzir novas ideologias unitárias, menos ainda revoluções, pois sua razão não é abstrata e universal, mas particular e conectiva, mutante e incoerente. Apenas poderá destruir o velho jogo vampiresco da governança representativa e partidária, pois esta não é mais representativa e gera um sistema baseado na corrupção, em que a corrupção não é exceção, mas regra e norma do jogo.
As ideologias políticas que prometiam a igualdade e a salvação do mundo fracassaram, não apenas em seu intento socioeconômico igualitário, mas naquele mais importante: de produzir um novo imaginário social e cultural que nos tornasse parte de uma sociedade mais justa, na qual pudéssemos nos tornar melhores do que somos. A não-ética coletiva das redes não será um decálogo de normas e uma visão de mundo organizada e proferida pela boca das vanguardas, ou dos líderes iluminados, sempre prontos a surfar uma nova onda, mas será muito mais humildemente particular. Não mudará o mundo, mas resolverá através da conectividade problemas concretos e específicos, que têm a ver com a qualidade do ar, o direito à informação, o preço do transporte público, a qualidade do atendimento nos hospitais, a qualidade da educação. Isto é: tudo aquilo que partido nenhum jamais conseguiu fazer.
Para certa esquerda, está em marcha o acirramento de um fascismo nas manifestações, cujo sintoma é a rejeição de partidos nas passeatas. Uma ala da direita, com o apoio da imprensa, também contesta as manifestações como sendo “armação” da esquerda.
É visível para todos o oportunismo e o desespero de uma cultura política da modernidade que se descobriu, de repente, obsoleta e fora da história. Nenhum partido de esquerda consegue hoje representar os anseios e as utopias sequer de uma parte significativa da população. Eles se encontram na singular e cômica situação do menino escoteiro que, para cumprir sua boa ação, tenta convencer a velhinha a atravessar a rua para poder ajudá-la. Só que a velhinha não quer cruzar a rua, mas deseja ir em outra direção. A lógica dialética, eurocêntrica e cristã, baseada na contraposição entre o bem e o mal, marca toda a cultura política da esquerda – que hoje se configura como uma religião laica, não mais racional nem propositiva, mas histérica.
O advento dos movimentos e das manifestações expressou com clareza o desaparecimento do papel de vanguarda, e a incapacidade histórica de análise e de abertura à diversidade e ao livre debate dos partidos. Como na lógica da salvação religiosa, o bom e o justo existem e justificam a sua função somente enquanto existe o mal. A caça às bruxas é uma exigência, a última tentativa de justificar sua função, e uma necessidade ainda de sua presença em defesa dos mais “fracos” e “necessitados”. Não excluo que, em casos não representativos, tenhamos tido a presença de grupos de alguns poucos e isolados indivíduos de direita. Mas a reação e a caça às bruxas que foi gerada é de natureza histérica e a-racional, a última tentativa de voltar no tempo e na história – um passado ameaçador em que havia necessidade de uma ordem, de uma ideologia e de uma vanguarda que representasse o confortador papel da figura paterna.
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