terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Nova Palestina: quem são os sem-teto que protestam em São Paulo (Camila Maciel)

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Acampamento de 8 mil famílias na Zona Sul revela que programas oficiais não resolveram déficit habitacional. Assembleias diárias reúnem 4 mil pessoas

Por Camila Maciel, na Agência Brasil

Programas como o “Minha Casa Minha Vida” são suficientes para assegurar o Direito à Habitação no Brasil? Ao interromperem o tráfego da Marginal Pinheiros — uma das principais vias rápidas de São Paulo — milhares de pessoas ofereceram, esta madrugada, uma resposta sonora à pergunta. Elas são parte de um elemento novo na paisagem da metrópole. Na região do Jardim Ângela, a 25 quilômetros do Centro, uma área urbana imensa (um quilômetro quadrado, ou cem campos de futebol) foi ocupada em outubro, por famílias participantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto — MTST. A novidade alastrou-se rapidamente. Hoje, 8 mil famílias já habitam o que chamam de “latifúndio urbano” e há mais 2,5 mil inscritas. Formam uma comunidade mais populosa que milhares de municípios brasileiros. Deram, ao lugar em que agora moram, o nome significativo de Nova Palestina.

Estão em área de proteção ambiental, próxima à represa de Guarapiranga. O prefeito Fernando Haddad, acossado pela mídia e atingido por decisões judiciais que reduziram o orçamento do município, afirma que não tem recursos para desapropriar a área — mas não oferece alternativas. Por isso, o protesto de hoje. Na reportagem abaixo, a jornalista Camila Maciel descreve a área e a notável mobilização de seus ocupantes, que realizam assembleias diárias com 4 mil pessoas. organizam-se em 21 grupos de trabalho e cuidam, por si mesmas, de tarefas como alimentação coletiva, limpeza e segurança. (A.M.)


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Em um terreno de aproximadamente 1 milhão de metros quadrados, na zona sul da capital paulista, quase 8 mil famílias acampam em barracas de lona, desde o dia 29 de novembro, para reivindicar o direito à moradia digna. A ocupação, que começou há pouco mais de um mês, com cerca de 2 mil famílias, já quadruplicou. Além disso, cerca de 2,5 mil famílias aguardam vaga em uma lista de espera, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

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Para os coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o rápido crescimento da comunidade, batizada de Nova Palestina, mostra como é grande o déficit habitacional da região. “As pessoas que estão aqui não têm condições de pagar aluguel, algumas moravam na rua, outras na casa de parentes. Aqui, eles têm a esperança de conseguir um teto. É uma região muito carente”, explicou Helena Santos, coordenadora estadual do MTST. Ela, que é militante há cinco anos, conta que nunca viu uma procura tão grande por vaga em uma ocupação. “Já participei de outras e essa é a maior”, disse. A ocupação é dividida em 21 grupos, cada um com coordenação própria. Cada área possui uma cozinha comunitária e dois banheiros, sendo um masculino e um feminino.

Diariamente, cerca de 4 mil pessoas participam de uma assembleia no acampamento, na qual são repassadas informações sobre as negociações por moradias definitivas, dentre outras decisões. O estatuto da ocupação, por exemplo, foi aprovado em assembleia. Entre os pontos acordados, está a proibição do consumo de bebida alcoólica, de drogas e também agressões. “Caso ocorra algum problema, nós conversamos e, caso continue, a pessoa pode ser convidada a se retirar”,  destacou.

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Tauana Oliveira da Silva, de 18 anos, vive em um barraco com o marido e os três filhos – o mais novo de apenas 3 meses. “É a primeira vez que participo de uma coisa assim. Foi meu marido que trouxe a gente. Foi a única forma que a gente viu de ter uma casa”, relatou. Marx William, 24 anos, também trouxe os poucos pertences que tem para viver com a mãe e os filhos na ocupação. “A gente pagava R$ 450 de aluguel, sendo que nossa renda é R$ 800. Ficava faltando [dinheiro] para as outras coisas”, destacou.

Helena explica que estruturas de alvenaria não são permitidas e que o objetivo é conseguir moradias dignas para os que participam da mobilização. “Nossa primeira ideia é construir as casas aqui. Se a prefeitura disser que vai fazer, saímos. Também pedimos auxílio-aluguel, mas já disseram que não tem verba”, disse.

A destinação do terreno é objeto de conflito com a prefeitura, pois um decreto municipal estabelece que a área deve ser transformada em um parque público. “A maior parte não pode ser usada para edificar moradias, porque é uma área de preservação ambiental e o proprietário tinha, sob pena inclusive de responder por crime ambiental, que cuidar para que não fosse invadido”, declarou o prefeito Fernando Haddad. Ele destacou que, neste momento, não há ação cabível ao governo municipal, por se tratar de área privada. Além disso, não há recursos para o processo de desapropriação.

O movimento, por sua vez, questiona a posição da prefeitura, pois a classificação da área como Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS) permite edificações em 10% do total, o que corresponderia a mil moradias. “Agora, inclusive, nós estamos ocupando somente a área permitida. Não houve nenhum desmatamento para colocar as barracas”, disse Helena. O MTST propõe, ainda, que o terreno seja transformado em Zona Especial de Interesse Social 4, o que permitiria a construção de edificações em 30% da área. Diante do impasse, o movimento planeja um protesto para esta sexta-feira (10), ainda sem horário e local divulgados.

(Disponível em: http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/nova-palestina-quem-sao-os-sem-teto-que-protestam-em-sao-paulo/)

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