domingo, 21 de julho de 2013

O Despertar da Felicidade

Estou maravilhado com os últimos anos de minha vida. Alguns muitos sonhos se realizaram, e essa máquina sonhadora permanece ainda a funcionar, gerando muitos outros.

Vejo minha vida, meu ser como uma estátua sendo lapidada pelo vento, pela maré, pelo sol, pela chuva, por outras e por si mesma. Mas não uma simples estátua, tal qual descreveu Michelangelo: "Bem vindo seja o sono, mais bem vindo o sono de pedra. Enquanto o crime e a vergonha permanecem em terra; Minha grande sorte, não ver ou ouvir; Não me acordem - por piedade, falem baixo." Sei que há muitos humanos - quiçá a maioria ou quase todos (ou seria isso um pré-julgamento estereotipado/preconceituoso?) - que são reais estátuas, em sono profundo. Ainda tenho dúvidas se nascemos realmente acordados ou se o estado de latência - mesmo aos berros do nascimento e tantos outros ao longo da vida - só é rompido pouco ou muito depois - ou nunca, a depender de quem se trate. O fato é que sou como uma estátua, em constante aperfeiçoamento, mas não dessas em sono profundo: uma estátua viva, no despertar.

Como disse Michelangelo, o sono de pedra garante não ver nem ouvir o crime e a vergonha. E é incrível como muitos passam a vida toda em sono de pedra, ignoram as mazelas sociais que a humanidade persiste ao longo de séculos e milênios. O despertar não é, inicialmente, agradável. Vai além da dor por compaixão ou do sentimento de pena: por isso, volta  e meia, todos passam - um exemplo que tenho claro para mim é o da alimentação vegetariana, pois não são poucos os "nossa, eu gostaria muito de ser vegetariano, fico super comovido ao ver como são os abatedouros, o sofrimento dos animais, mas simplesmente não consigo viver sem carne" que eu ouvi nesses cinco anos de vegetarianismo. Conheço muitas pessoas que também não conseguem viver sem o dinheiro, ou sem enganar as outras, ou sem enganar a si mesmas. Nos afundamos em vícios e isso denota a pior qualidade de uma estátua: sua inércia. Logo, esse protótipo de compaixão que leva à pena - inclusive por si mesmo - em nada caracteriza o despertar: este é muito mais que isso.

O início do despertar não é agradável porque ele torna clara a necessidade de mudança - e, com ela, os desafios e dores pelos quais terá de se passar. Mas não uma mudança qualquer: uma transformação de si. É como disse Tolstói em uma citação que eu gosto de repetir: "Todos pensam em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo." Muitas pessoas dizem não compactuar com a miséria e a fome do mundo, mas ignoram que seu estilo de vida alimenta essa situação: seja pela forma como adquire ou aplica seu capital, ou seja por muitas outras, como a alimentação que supracitei (para quem não sabe, o que se ingere de carne poderia alimentar milhares de pessoas se se investisse o mesmo de recursos para consumir vegetais). O sentimento inicial do despertar, portanto, é de desespero, inquietude, muitas vezes tristeza também - impotência quase sempre. Todavia isso é passageiro.

Tendo tomado consciência do que o cerca e de que uma mudança é necessária para se adaptar, os sonhos nascem e se fortalecem. E isso que difere uma estátua de pedra de uma estátua humana que se lapida: ela pode sonhar não só de olhos fechados, em sono profundo, mas também - e sobretudo - de olhos abertos e desperta, agindo fortemente em sua própria lapidação e ajudando as demais nas suas. Os sonhos delineiam as atitudes, o caminho. E o maravilhoso é que, pela própria inércia - talvez a mesma que deixa outras pessoas em sono de pedra infinito -, esses sonhos e realizações alimentam outros, então eles não atingem um fim por si só, mas constituem um caminho - talvez infinito - de aperfeiçoamento.

É um despertar contínuo, pois o primeiro passo depois de abandonar os grilhões da caverna é abrir os olhos. Porém são olhos ainda acostumados à escuridão da caverna e que doem ao ver e muitas vezes veem pouco. O tempo e a vontade de continuar o despertar é que definem a clareza do que se vê e o que se faz necessário para continuar e ver ainda mais, e fazer ainda mais. Ainda vendo com clareza, há um mundo todo para explorar. E depois do mundo há o universo - que dizem ser infinito.

Há uma série de desenho animado japonês chamada Ergo Proxy que trata exatamente disso e a qual me trouxe algumas das reflexões citadas nesta crônica. Ela trata de um mundo pós-apocalíptico, em que a humanidade abandonou a Terra porque não havia mais condições de existência e deixou alguns seres sobrenaturais que seriam responsáveis de cuidar de células de sociedade pelo mundo, em enormes redomas onde a vida era viável e garantida por meio de clones. A trama traz em si várias questões e metáforas filosóficas - e deixa isso claro logo em seu episódio primeiro, ao apresentar em seus personagens vários nomes de pensadores da Humanidade, tais quais Deleuze e Lacan. E é justamente sobre sair da redoma, conhecer o mundo que a cerca, desvendar as relações sociais e ocultas que construíram essas sociedades, descobrir quem são os Proxys - os seres sobrenaturais supracitados - e qual o sentido disso tudo.

Vi no filme A Profecia Celestina - baseado em livro homônimo -, logo em seu início, um professor de História, em uma sala de aula, com uma arte mostrando a longitudinalidade da evolução humana, desde o Big Bang, perpassando os dinossauros e chegando até os humanos, por fim, no modus vivendi atual em sociedade, cidades, etc. e que perguntava, ao final da ilustração "What's next?". O filme, tal qual o livro, ensina por meio de um insight da Profecia Celestina, que a vida mostra qual é o próximo caminho, que conduzirá à felicidade e realização. Ele fala de coincidências - que não são apenas acaso - as quais conduzem as pessoas. Mas, ao meu ver, além dessas coincidências - não nego que existam, embora eu não me preocupe com sua origem -, há os sonhos - eles definem o caminho do despertar. Então, o próximo passo é definido pelos sonhos que se alimentam naqueles que veem e que, coletivamente, conduzem à uma revolução social abrangente. Há sonhos coletivos também.

Meus sonhos têm me guinado no sentido de aprimorar as formas de relações interpessoais. Não escondo de ninguém que eu desejo a sociedade socialista - sempre friso: não aquela de Marx. E cada vez mais me aproximo de pensadores como Fourier e Owen, alimentando a convicção de que a sociedade não se muda pela economia tão somente - quiçá sejam causa e consequência uma da outra. Ela deve se transformar, sobretudo por si, por dentro de suas entranhas, pelas formas como as relações se estabelecem entre as pessoas. Por isso, não basta ter pena dos miseráveis que passam fome e morrem na África (ou mesmo no Brasil, por mais que muitos neguem isso): é preciso ter amor, como ensinou Jesus; é preciso se sentir um dos culpados disso; é preciso sonhar a mudança; e é preciso agir por ela. E eu ajo pelo socialismo, principalmente aquele que muda a sociedade por meio de suas relações internas, sutis, cotidianas. Esse tem sido o caminho que venho construindo com meus sonhos e o qual tem moldado meu ser, aperfeiçoando cada vez mais essa estátua que não é de pedra bruta.

E é por isso que estou maravilhado com os últimos anos de minha vida: eu estou permeando-a cada vez mais de sonhos e realizações. E cada vez desejo sonhar mais. Cada vez me preocupo menos com "ter", para "ser" e fazer" como modos de "servir": servir à minha felicidade e a tudo que me cerca também, sobretudo Àqu-le que me proporciona essa existência. E eu sinto que meus sonhos fazem parte de um plano maior, um sonho coletivo que culminará em uma nova sociedade. Meu caminho é este definido pelos meus sonhos e realizações, essa é minha história. E, apesar das dores e sofrimentos, as realizações e os sonhos do despertar são sensivelmente mais próximos daquilo que constrói a felicidade verdadeira: construir-se (aperfeiçoar-se) é construir sua própria felicidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...