quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Visão Ampla, Horizonte Amplo

Visão Ampla, Horizonte Amplo


Introdução e Método
A partir de uma pesquisa no Scielo, no intuito de identificar cinco artigos que contenham a perspectiva antropológica, desenvolvi este ensaio tendo por objetivo estabelecer as relações existentes entre saúde, medicamentos e cultura - para isso, ainda procurei abordar conceitos antropológicos e estabeler reflexões, fruto de meu aprendizado na disciplina. São estes os artigos que identifiquei:
1) CARVALHO, Fernanda; JUNIOR, Rodolpho Telarolli; MACHADO, José Cândido Monteiro da Silva. Uma investigação antropológica na terceira idade: concepções sobre a hipertensão arterial. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro,  v. 14,  n. 3, Julho 1998.
2) GONCALVES, Helen et al . Adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro,  v. 15,  n. 4, Outubro  1999.
3) FIRMO, Josélia Oliveira Araújo; LIMA-COSTA, Maria Fernanda; UCHÔA, Elizabeth. Projeto Bambuí: maneiras de pensar e agir de idosos hipertensos. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro,  v. 20,  n. 4, Agosto  2004.
4) FILHO, Antônio I. de Loyola; LIMA-COSTA, Maria Fernanda; UCHÔA, Elizabeth. Bambuí Project: a qualitative approach to self-medication. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro,  v. 20,  n. 6, Dezembro  2004.
5) NASCIMENTO, Marilene Cabral do. Medicamentos, comunicação e cultura. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro,  2010.
Abordarei com profundidade a perspectiva antropológica acerca dos artigos quatro e cinco, contudo o que pude identificar em todos foi não o método antropológico (presente somente em um deles) – o qual consiste no ouvir, olhar e escrever da observação participante e etnografia (OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. 1998. “O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever", em O trabalho do antropólogo. São Paulo/Brasília: Unesp/Paralelo 15.) -, mas exatamente a percepção de aspectos sociais e culturais no âmbito da saúde, com uma análise predominantemente qualitativa. Isso em si já evidencia um caráter da Antropologia, em ampliar os conceitos além da biologia e do senso comum, para uma visão abrangente dos processos saúde-doença, e sem julgamento de valor. Por exemplo, no artigo de número “1”, enumeram-se os objetivos em seu abstract: “a) identificar as concepções da população idosa do município de Araraquara, SP, quanto à etiologia da hipertensão arterial e a relevância dos diferentes sinais e sintomas que acompanham a doença”. “Identificar as concepções” é realizar uma pesquisa não só qualitativa, mas também cultural e social. No resumo do artigo “2”, a partir da pesquisa etnográfica, a “abordagem possibilitou compreender as concepções de doença, as dinâmicas sociais entre os diversos protagonistas envolvidos no processo da doença e seu tratamento.”, ou seja, um estudo com total método, conteúdo e argumentação antropológica. No “3”, em que “As maneiras de pensar e de agir de idosos frente à hipertensão arterial foram investigadas, utilizando-se uma abordagem antropológica baseada no modelo de Signos, Significados e Ações”, também é notada a perspectiva da Antropologia. O uso para o desenvolvimento deste trabalho dos artigos “4” e “5” foram propositais. Enquanto este ultimo, o qual relaciona saúde, cultura e comunicação, dá a base - no sentido de buscar explicações para pensamentos e ações na saúde a partir da mídia -, o anterior aplica a pesquisa qualitativa numa situação específica, a qual é a automedicação, objeto de estudo do Projeto Bambuí, que melhor é compreendida analisando ambos os artigos.

Resultado
No século XX, com a descoberta do antibiótico, estabelece-se um marco inicial do desenvolvimento da farmacologia moderna. Do tratamento de infecções, no início em grande parte provenientes dos efeitos das guerras, a indústria farmacêutica forma a base da construção da hegemonia farmacológica. A partir daí, popularizam-se nas populações a iatrogenia médica e dos fármacos, a medicalização social, e formam-se os questionamentos desse modelo: multiplicação de similares; propaganda intensiva e omissa ou enganosa; apresentação científica inadequada de efeitos indesejados e contraindicações; aumentos abusivos nos preços; etc. (NASCIMENTO, 2010)
Conclui, Nascimento, que a mídia exerce papel fundamental no processo de massificar pensamentos, talvez se referindo a dita opinião comum, tendo como base o recurso científico como “fonte e instância legitimadora de informações”, e utilizando-se da simbolização como a “capacidade de intervir na subjetividade coletiva, dando lugar a procedimentos e modos de vida quase sempre sustentados no consumo de mercadorias”. Nesse sentido, seu artigo remete o aspecto cultural na saúde e nos medicamentos, pois liga seu consumo a elementos culturais, entre eles destacados por ela o misticismo, os símbolos, as metáforas e as alegorias utilizadas no meio de propaganda para “vender” o medicamento. Essa é a base de informação necessária para compreender melhor a automedicação, analisada por Loyola Filho et al a partir do Projeto Bambuí.
Nesse artigo, os autores identificam a partir de uma análise qualitativa, mesmo que se utilizando do método da entrevista – apontado pela médica Furlanetto (FURLANETTO, Letícia Maria. 1999. “Método da observação participante: relato sobre um esquadrão de vôo”. In: Cadernos IPUB 15. Rio: Inst. Psiquiatria.) como não tão eficiente quanto a observação participante -, elementos culturais e sociais os quais estão envolvidos na automedicação: recomendação do atendente da farmácia ou do farmacêutico; autorização pelos médicos do controle pelo paciente do uso medicamentoso (relacionando o uso com a evolução da doença e/ou dos sintomas); conselho de familiares, amigos ou vizinhos; experiência pessoal com o medicamento e com a doença; análise do paciente a respeito da eficácia do medicamento; e o custo. Capta a ideia geral de que a automedicação é voltada para problemas de saúde ou sintomas comuns, ou menos perigosos; representa uma substituição dos serviços de saúde ineficazes (principalmente considerando o modelo brasileiro) e de atendimento médico precário. Por fim, de maneira interessante, encontra o pensamento comum de que o desaparecimento dos sintomas é interpretado como sinal de normalidade ou cura, e reconhece, mesmo que o conhecimento e competência médica seja respeitada, que a automedicação envolve a ideia de que o médico não é o único quem sabe qual e como prescrever medicamentos.

Discussão e Conclusão
Num mundo globalizado e em que parte da população tem amplo acesso à informação e a outra vive a ausência da medicina “institucional”, a automedicação me parece ser inevitável, principalmente quando o doente encontra em meios e pessoas alternativas certeza na prescrição. No entanto, a visão ampla, possível de se obter a partir do conhecimento antropológico – de considerar cultura e sociedade como interferentes no processo saúde-doença -, pode fazer transformar essas relações médico-paciente. Primeiro dando ao paciente um atendimento individualizado, considerando seu contexto sociocultural; e segundo pela identificação pelos médicos das reais necessidades da população. Quando o médico incorporar em sua prática essa visão (digamos, antropológica), talvez consiga recuperar seu espaço na prescrição de medicamentos – apontado como fato pelo estudo Bambuí -, ou mesmo reconhecer que existem outros agentes nesse processo capazes realmente de prover essa indicação. E é a isso que remete Langdon em suas aulas, quando fala do doente como não-passivo (ou paciente) nessas relações, bem como de sua família, amigos e, no caso do artigo cinco, profissionais da drogaria.
A perspectiva antropológica também me traz a visão de que não existe correto ou errado na automedicação, mas tão-somente uma constatação: ela existe. Ao profissional da saúde cabe reagir acerca disso: no caso de condenar, apresentar meios de coibi-la; no caso de aceitar, prover de métodos para que ela não seja prejudicial ao paciente.
Por fim, gostaria de destacar dois aspectos apresentados por Loyola Filho et al. Primeiro, a constatação do uso de medicamentos psicoativos sem prescrição médica – em parte em consonância com os dados obtidos pela Sônia Maluf (MALUF SONIA 2010. Gênero, Saúde e aflição: Políticas Públicas, ativismo e experiências sócias. IN:  MALUF, S.; TORNQUIST, CA.S. Gênero Saúde e Aflição. Abordagens antroplógicas. Florianópolis, Letras Contemporâneas, 2010, PP. 21-67.) -, denotando também a importância cultural que o doente dá ao remédio, como se ele fosse um instrumento de controle do próprio corpo, ou como maneira de transpassar a realidade em que se encontra, o que também é objeto de conclusão no artigo sobre comunicação e saúde. Segundo, pela “consciência” tanto dos adeptos da automedicação quanto dos não-adeptos de que é uma prática “errada”. Mesmo sendo “errada”, por que se automedicam? Além dos aspectos culturais, há um contexto social de busca pela agilidade, praticidade; e a maioria dos entrevistados denotou demora e ineficiência no atendimento médico.
O médico, quando ignora todos esses aspectos e volta-se para tão-somente o lado biológico do indivíduo, perde a oportunidade de compreender uma visão ampla do doente e prover a ele o atendimento e tratamento de que ele realmente necessita. Eis a importância da perspectiva antropológica para a medicina: ampliar o horizonte.

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