quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Os Mitos do Check Up

Há dois ditos populares que podem nos ajudar a discutir o tema dos
exames preventivos ou do check-up, um dos principais motivos de consulta
nos dias de hoje. Um dos ditados é o de que é “melhor prevenir do que
remediar” e o outro nos lembra que o “melhor é não mexer no que está
quieto”. O primeiro conselho tem sido bastante lembrado por todos
aqueles que desejam fazer muitos exames todos os anos e o último costuma
ser recordado por aqueles que fogem dos consultórios médicos. Acho que
vale a pena discutir com mais calma esses dois enunciados.
A noção de prevenção de doenças não é nova, todo agrupamento humano
desenvolveu ao longo de sua história mecanismos individuais e coletivos
para se proteger de agravos conhecidos. Assim foi com o fornecimento de
água limpa e com a implantação dos banhos públicos na Roma Antiga, por
exemplo.
A novidade da medicina moderna não é, portanto, a ideia de atacar a
causa antes do problema surgir, prática muito antiga, mas a utilização
de exames (como os de glicose, colesterol, mamografia, etc.) em
indivíduos sem sintomas para o diagnóstico precoce de doenças. O
problema é que as possibilidades tecnológicas dessa medicina nos dão a
falsa ilusão de que a realização de testes diagnósticos regulares que
vasculhem o corpo em busca de anomalias é a única e infalível forma de
prevenção.
É fácil combater essa ilusão. Sabemos que os países que mais gastam
com exames não têm os melhores resultados em saúde, sabemos que as
populações que têm mais acesso a exames laboratoriais e a aparelhos de
imagem (como tomografias, ressonâncias ou cateterismos) não previnem
mais cânceres ou infartos do coração do que aqueles países que têm uma
quantidade racional desses equipamentos.
O que é ainda pior é que esse exagero na prevenção por meio de exames
costuma provocar o efeito contrário do desejado, que é o de submeter
pessoas sem nenhum sintoma ou mal-estar a procedimentos arriscados e
desnecessários. Um exemplo é o do câncer de mama, de cada 1000 mulheres
que fazem a mamografia anualmente dos 40 aos 50 anos, uma terá um câncer
identificado (mas não necessariamente curado) e outras 20 retirarão a
mama ou parte dela sem necessidade.
Por isso, respeitadas instituições de saúde como o americano United
States Preventive Service Task Force (USPSTF) ou o britânico United
Kingdom National Screening Comitte recomendam a realização da mamografia
somente a partir dos 50 anos de 2 em 2 anos (à exceção daquelas
mulheres com história familiar de primeiro grau, ou seja, câncer de mama
em mãe ou irmã antes dos 50 anos).
Para esses institutos internacionais e também para o Instituto do Câncer
brasileiro (INCA) não se deve também recomendar rotineiramente aos
homens acima de 40 anos a realização do check-up da próstata. Como o
câncer de próstata costuma surgir em idades mais avançadas e progride
lentamente, sabe-se que a grande maioria dos homens com câncer morreria
de outras causas sem jamais ter tido qualquer sintoma prostático. Ao se
fazer o check-up anual muitos homens serão submetidos a exames e a
cirurgias, frequentemente com sérias consequências indesejadas.
Portanto, o ditado “melhor não mexer no que está quieto” tem sim sua
razão em relação a uma série de problemas para os quais a medicina não
tem uma resposta e em que um exame antecipado pode trazer mais prejuízos
do que benefícios. E o famoso “melhor prevenir do que remediar” é um
conselho muito sábio, mas não deveríamos entender como prevenção o
simples fato de fazer exames médicos anuais.
A melhor forma de prevenir infartos do coração e derrames cerebrais,
por exemplo, é ter uma alimentação saudável, com pouco sal e rica em
fibras, e fazer atividade física regular. Sabe qual uma maneira simples
de prevenir várias doenças e melhorar sua vida e de sua comunidade? Use
menos o carro!

Paulo Poli Neto
Médico de Família e Comunidade
Associação Catarinense de Medicina de Família e Comunidade

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